Professores da educação básica avaliam proposta de implantação de seleção seriada
Na última audiência pública, profissionais destacaram que processo tem potencial para aproximar as escolas da UFMG e resgatar uma cultura de realização de exames mais reflexivos
Questões de ordem prática deram a tônica da audiência pública realizada nesta semana, no campus Pampulha, para debater, com professores e gestores das escolas de educação básica, a possibilidade de a UFMG adotar um processo seletivo seriado para a entrada na graduação. Conforme o Portal UFMG tem noticiado nas últimas semanas, um Grupo de Trabalho (GT) vem trabalhando em uma proposta com essa finalidade; caso, após a sua submissão, essa proposta seja aprovada pelas instâncias colegiadas da Universidade, a UFMG passará a realizar um processo seletivo seriado paralelamente ao processo de seleção que se vale do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
A audiência com os representantes do ensino médio ocorreu no auditório da Reitoria nesta terça-feira, 5, e reuniu mais de 60 profissionais da rede pública e privada de educação básica de Minas Gerais. Na ocasião, os participantes fizeram perguntas sobre a viabilidade do cronograma previsto, discutiram nuances da educação pública brasileira e debateram os impactos que a eventual adoção de um processo seletivo seriado pela UFMG teria no plano de ensino das escolas de nível médio, no entendimento de que “processos seletivos influenciam currículos”, como foi mencionado em dado momento. Em linhas gerais, os participantes elogiaram o potencial que a iniciativa tem de promover uma reaproximação entre a Universidade e as escolas e de reinaugurar uma cultura de reflexão e complexidade na realização de exames.
Durante as intervenções dos participantes e devolutivas oferecidas pelos componentes da mesa do evento, um professor da rede pública, residente de pós-doutorado na UFMG, manifestou sua preocupação com a necessidade de se preparar bem e amplamente os docentes da Universidade para esse estreitamento da relação com a educação básica – em particular, nas áreas em que a graduação não tem tanta ênfase em licenciatura. Outro participante contribuiu com um comentário a respeito das datas das provas, no intuito de que elas não coincidam com as provas do Enem nem com as provas dos processos seletivos seriados de outras instituições do estado. “Essa é uma mudança que, desafiadora em diversos aspectos, traz um bom prognóstico”, resumiu, mais à frente, um professor da rede privada.
Prazos e cronogramas
“Acho extremamente importante a gente voltar a um tipo de seleção mais próxima do que a gente faz [em sala de aula]”, comentou a professora Luciana, que dá aulas de Química em escola particular, referindo-se à ideia – central no processo seriado em formulação na UFMG – de uma seleção que consiga avaliar melhor a capacidade de reflexão crítica e de articulação subjetiva do aluno. “É muito bom a gente poder retomar isso. E faz falta para nós esse contato com a universidade, que eu acho extremamente importante”, acrescentou. A audiência durou mais de três horas, até que todos os interessados no diálogo pudessem se manifestar – alguns, mais de uma vez.
Em sua interpelação, Luciana perguntou – questão recorrente na fala de outros participantes – sobre um eventual cronograma para a implantação da novidade, já que existe, em tese, a possibilidade de o processo seletivo seriado entrar em curso já a partir de 2024, caso a proposta seja aprovada pelas instâncias colegiadas da Universidade dentro do cronograma inicialmente proposto ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe).
A preocupação de Luciana, manifestada de diferentes formas por outros professores e gestores, era com a necessidade de se começar o processo de formação e orientação – de alunos, professores e gestores da educação básica – já no início de 2024, caso a primeira prova do seriado venha a ser programada para dezembro do mesmo ano.
A exemplo das três audiências já realizadas sobre o tema, o encontro desta terça-feira também foi conduzido pelos professores Bruno Otávio Soares Teixeira, pró-reitor de Graduação, e Maria José Flores, pró-reitora adjunta. Além deles, participaram integrantes do Grupo de Trabalho (GT) instituído para desenvolver um estudo comparativo das experiências de outras instituições com o processo seletivo seriado e elaborar a proposta de diretrizes para a possível implantação do processo.
Em sua resposta à primeira rodada de comentários e perguntas, Bruno Teixeira informou que ainda não há definição sobre a possibilidade de o processo começar em 2024 ou mais à frente. “Pode ser que os órgãos de deliberação decidam iniciar não em 2024, mas em 2025. Ou pode ser que cheguem à conclusão de que não se iniciará de forma alguma”, afirmou, reiterando que o que está sendo elaborado e aprimorado é uma proposta – como tal, ela ainda será submetida às instâncias colegiadas da Universidade para avaliação.
Com o término do ciclo de audiências públicas nesta terça-feira, a proposta será encaminhada para a Câmara de Graduação. De lá, ela seguirá para o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), de onde poderá ser remetida ao Conselho Universitário, responsável pela deliberação final. “Esse momento de debate é muito importante; pretendemos formular uma proposta robusta, coerente com a tradição histórica da UFMG de basear as suas decisões no amplo debate e na equidade”, demarcou Bruno.
O processo seletivo seriado
O processo seletivo seriado consiste na aplicação de exames durante três anos seguidos (daí o termo “seriado”), de modo que, nele, o ingresso do candidato se dá pela soma da nota obtida nessas três provas. Na maioria dos casos, a aplicação dos exames tende a coincidir com a conclusão de cada um dos três anos do ensino médio, mas a proposta que será submetida às instâncias colegiadas prevê que também sejam aceitos, nesse processo, candidatos de fora do ensino médio regular, como os alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e as pessoas que concluíram o ensino médio há mais tempo.
A ideia é que o processo seletivo seriado coexista com a seleção que utiliza o Enem e o Sisu, de modo que cada processo seja responsável por preencher um determinado percentual, ainda a ser definido, das 6.740 vagas oferecidas anualmente pela Universidade. Levando-se em conta as experiências de outras instituições, levantadas pelo estudo realizado pelo Grupo de Trabalho, uma possibilidade é adotar um modelo em que se destine inicialmente 30% das vagas ao seriado e 70% ao Enem/Sisu, na intenção de se chegar, gradativamente, a 50% das vagas para cada modalidade. Independentemente dessa definição, ambos os processos seguirão respeitando integralmente a Lei de Cotas.
Quatorze universidades públicas brasileiras – oito federais e seis estaduais – já se valem de um processo seletivo seriado para a entrada na graduação. Na audiência de terça-feira, Bruno Teixeira destacou que, diferentemente do que foi feito, por exemplo, pelas universidades de São Paulo, a proposta é que o processo seletivo seriado seja implantado de forma gradativa na UFMG. Isso significa que, no primeiro ano em que o sistema estiver em vigor, seriam aplicadas provas apenas para o primeiro dos três ciclos; no ano seguinte, mais um passo seria dado, com a aplicação de provas para o primeiro e para o segundo ciclos; por fim, no terceiro ano, após a implantação do novo sistema, os três ciclos seriam contemplados.
Nesse formato, os primeiros estudantes selecionados pelo novo sistema só ingressariam na Universidade no quarto ano após o início da implantação do novo sistema na UFMG. Assim, mesmo que o processo seletivo seriado comece a ser implantado na Universidade em 2024, os primeiros calouros selecionados só ingressarão na Universidade no primeiro período letivo de 2027.