UFMG decide pelo desligamento de 22 estudantes que fraudaram sistema de cotas
Decisão do Conselho Universitário é resultado de processo disciplinar instaurado em 2018
Em reunião realizada nesta quinta-feira, dia 25, o Conselho Universitário da UFMG deliberou por acolher a recomendação da comissão disciplinar instaurada para apurar eventuais responsabilidades por uso irregular de cotas raciais em processo seletivo para ingresso na Instituição. De acordo com a decisão, 22 estudantes serão desligados, e sete, suspensos por um semestre letivo.
A decisão tomada pela instância máxima de deliberação da Universidade representa o desfecho de um processo iniciado em junho de 2017, quando a Universidade instituiu comissão de sindicância investigatória para analisar 61 denúncias de supostas fraudes de recém-ingressados. Desse total, 10 denúncias foram arquivadas por envolver estudantes que já se desligaram da instituição. Em 17 casos, houve arquivamento por improcedência da denúncia.
Com base nesse trabalho de sindicância e investigação, uma comissão de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) foi instaurada pela Reitoria para avaliar os casos de supostas fraudes. A decisão do Conselho Universitário, aprovada por unanimidade, foi respaldada pelo trabalho das duas comissões.
“Todos os processos correram em sigilo para assegurar o amplo direito à defesa e a lisura da investigação. Ao mesmo tempo que defende as cotas étnico-raciais como política pública, a UFMG zela pelos princípios democráticos que preservam os direitos da sociedade e garantem o respeito às leis e à justiça”, disse a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, que preside o Conselho Universitário, ao fim da sessão.
Para garantir o pleno exercício da ampla defesa dos estudantes denunciados, a Reitoria instaurou um processo administrativo para cada caso. Ao término dos trabalhos, a comissão disciplinar concluiu pelo uso irregular das cotas raciais em 29 casos, recomendando a aplicação de sanção disciplinar, nos termos do Regimento Geral da Universidade.
Embora não correspondam ao público-alvo pretendido pela política afirmativa, sete discentes demonstraram que suas autodeclarações como negros foram fruto da construção de referenciais sociais relevantes e indicativos de um comportamento pautado pela boa-fé. Por isso, o Conselho deliberou pela suspensão por um semestre letivo.
Em relação aos demais 22 discentes, frente à ausência de fundamentos hábeis a sustentar a autodeclaração, constatando-se, assim, a fraude, o Conselho decidiu pela imposição do desligamento do quadro universitário.
Os integrantes do Conselho Universitário destacaram a excelência, a seriedade e o zelo do trabalho realizado pelos membros das comissões, que atuaram de forma responsável, diligente e justa na condução de todo o processo.
Trabalho robusto
A atuação da comissão dos processos administrativos foi precedida pelos trabalhos conduzidos pela comissão de sindicância investigatória, instituída em 2017. O trabalho dessa primeira comissão resultou em três volumes de processos, totalizando 1.024 páginas até o termo de encerramento, com farto volume de informações para justificar a abertura ou não dos PADs. O relatório incluiu um estudo com orientações para a comunidade da UFMG lidar com a questão das cotas raciais e uma reflexão pautada no voto do ministro Ricardo Lewandowski, que, em 2012, considerou improcedente o pedido feito pelo partido Democratas (DEM) contra a política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília (UnB). O trabalho da comissão foi avalizado por parecer da Procuradoria Federal na UFMG, que opinou pelo cumprimento adequado dos ritos processuais, pela regularidade dos procedimentos adotados pelas comissões e pela suficiência das diligências adotadas.
Aprimoramento
De acordo com a reitora Sandra Goulart Almeida, a UFMG tem adotado medidas para aperfeiçoar os procedimentos para atender à chamada Lei das Cotas (Lei 12.711), exigindo dos candidatos que optaram pela modalidade de raça/cor no sistema de reserva de vagas a redação de uma carta consubstanciada de próprio punho com justificativas para a autodeclaração de pertencimento étnico-racial. “Em 2019, nós aprimoramos esse processo ao instituir uma comissão complementar à autodeclaração, responsável por realizar o procedimento de heteroidentificação, verificando a condição étnico-racial do candidato selecionado. A avaliação é condição obrigatória para efetivação da matrícula”, destacou a reitora.
Sandra Goulart lembra que a política de cotas tem o objetivo de corrigir desigualdades históricas. “É um instrumento importantíssimo, fundamental para democratizar o acesso às nossas universidades públicas, tornando-as mais representativas da sociedade brasileira. Por outro lado, é um mecanismo ainda muito recente, com menos de dez anos de vigência, que precisa ser aperfeiçoado para evitar distorções e injustiças”, defendeu a reitora.
Neste vídeo produzido pela TV UFMG, estudantes explicam o processo de heteroidentificação:
Ações afirmativas
A lei determina que 50% das vagas dos processos seletivos de graduação sejam reservadas para estudantes de escolas públicas, e entre esses, negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência. Nos termos da legislação, essas vagas devem estar em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção de negros, indígenas e pessoas com deficiência na população no estado onde está instalada a instituição, de acordo com o último censo do IBGE.
Na UFMG, a reserva de vagas integra a política de ações afirmativas, que, além de programas de inclusão destinados a promover grupos socialmente discriminados, promove práticas acadêmicas de acolhimento, atenção e apoio aos estudantes em suas necessidades, em seu aproveitamento acadêmico e no enriquecimento de sua permanência na universidade.
A lei de cotas contribuiu decisivamente para mudar o perfil étnico-racial do corpo discente da UFMG. Levantamento realizado pela Pró-reitoria de Graduação em 2018 mostrou que quase metade – 49,3% – dos estudantes que ingressaram nos cursos de graduação no primeiro período letivo daquele ano se autodeclararam pretos ou pardos. Esse percentual é quase o dobro do registrado em 2008 (26,75%), ano que antecedeu o início da aplicação das políticas de ações afirmativas na Universidade.