AVC e infarto: evitáveis, principais causas de morte desafiam a ciência
Pesquisas desenvolvidas em universidades públicas trazem alento, mas precisam de recursos, revela reportagem especial da Rádio UFMG Educativa
Doenças cardíacas são a principal causa de mortes em todo o mundo, seguidas pelo acidente vascular cerebral (AVC). Os dados são da Organização Mundial de Saúde (OMS), que avaliou as causas de morte em todos os países de 2002 a 2019. A tristeza e o lamento por tantas vidas perdidas em razão de infartos e AVCs tornam-se ainda maiores por se tratar de casos muitas vezes evitáveis.
De acordo com estudo realizado pelo Instituto Karolinska, da Suécia, quatro em cada cinco infartos em homens poderiam ser evitados. Como? Praticando atividades físicas, comendo frutas e legumes, abandonando o cigarro e o álcool. Em relação ao AVC, 90% dos casos são preveníveis, segundo a Organização Mundial do AVC. Para isso, não existe uma fórmula mágica: é preciso controlar fatores de risco, como hipertensão, diabetes, tabagismo, e manter alimentação saudável, aliada à prática de atividades físicas.
AVC: como identificar e como agir
De acordo com o Ministério da Saúde, as pessoas devem ficar atentas aos primeiros sinais do AVC e procurar ajuda médica imediatamente caso apareçam:
- fraqueza ou formigamento na face, no braço ou na perna, especialmente em um lado do corpo;
- confusão mental;
- alteração da fala ou compreensão;
- alteração na visão (em um ou ambos os olhos);
- alteração do equilíbrio, coordenação, tontura ou alteração no andar;
- dor de cabeça súbita, intensa, sem causa aparente.
Infarto: como reconhecer e o que fazer
Procurar ajuda médica é essencial ao notar os sintomas destacados pelo Ministério da Saúde:
- dor ou desconforto na região peitoral, que pode irradiar para as costas, o rosto, o braço esquerdo e, raramente, o braço direito. Essa dor costuma ser intensa e prolongada, acompanhada de sensação de peso ou aperto sobre o tórax, provocando suor frio, palidez, falta de ar e sensação de desmaio;
- em idosos, o principal sintoma do infarto agudo do miocárdio pode ser a falta de ar. A dor também pode ser no abdome, semelhante à de uma gastrite ou esofagite de refluxo, mas é pouco frequente;
- nos diabéticos e idosos, o infarto também pode ocorrer sem sinais específicos. Por isso, deve-se estar atento a qualquer mal-estar súbito.
A esperança está na ciência
Pesquisas desenvolvidas em universidades brasileiras renovam as esperanças em relação a diagnósticos e tratamentos do AVC e do infarto. Algumas delas estão descritas a seguir.
Neuroprotetor pós-AVC
Na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), o biomédico e neurocientista Walace Gomes desenvolve o primeiro neuroprotetor do mundo para o tratamento de AVC. De acordo com o pesquisador, quando há uma lesão provocada pelo AVC, os neurônios e outras células do cérebro ficam sem oxigênio devido à parada abrupta do fluxo sanguíneo e, também, sem nutrientes. Com isso, os neurônios começam a morrer, o que gera, logo nas primeiras horas, uma área de infarto chamada de lesão primária. “Com o tempo, essa lesão primária se expande. Ela cresce de tamanho devido a fatores secundários, como inflamação exagerada, acúmulo de aminoácido e aminoácidos excitatórios. Se houvesse um medicamento capaz de evitar a expansão da lesão primária, as sequelas neurológicas seriam menores. É o que faz o neuroprotetor. Ele pode evitar a expansão da lesão primária e o agravamento das sequelas neurológicas. Nós estamos desenvolvendo o neuroprodutor derivado de uma planta que é muito usada na Amazônia”, informa Gomes, que não divulga a planta para proteger o sigilo da pesquisa.
O neuroprotetor da Ufopa está em fase de testes em animais e, em breve, poderá ser testado em seres humanos. Se for aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a expectativa é que em cinco anos o produto chegue ao mercado.
Pressão ideal pós-AVC e a incidência em grupos economicamente vulneráveis
Uma das principais autoridades brasileiras sobre o AVC trabalha na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Trata-se da neurologista Eva Rocha, pesquisadora que lidera estudo, financiado pelo Ministério da Saúde, que busca descobrir a pressão ideal para pacientes que já tiveram AVC. Outras pesquisas concluídas por Eva Rocha renovam a expectativa de dias melhores para evitar e tratar o AVC. “A gente tem uma causa de AVC que é mais comum em pessoas jovens, que é a síndrome de vasoconstrição cerebral reversível. No período em que eu estive em Harvard, desenvolvemos um escore diagnóstico para identificar essa síndrome com os critérios clínicos e de imagem”, explica a professora.
A professora da Unifesp também conseguiu evidenciar, em estudo nacional, a maior incidência de mortes por AVC entre as pessoas mais pobres, em geral concentradas nas regiões Norte e Nordeste do país.
Ela faz um alerta: enxaquecas e traumas no pescoço podem desencadear o AVC. “Um fator que pode aumentar o risco de AVC e que algumas pessoas não conhecem é a enxaqueca, principalmente a enxaqueca com aura, que provoca alterações visuais", afirma Eva Rocha.
Biomarcadores para diagnóstico e identificação do infarto
Na UFMG, uma importante descoberta aguarda recursos para, finalmente, chegar ao mercado. Trata-se do resultado de estudo liderado pelo farmacêutico e biólogo Rodrigo Rezende, professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), que desenvolveu biomarcadores para identificar um infarto em menor tempo e com menor custo. "Marcadores são substâncias presentes no corpo, podem ser proteínas, lipídeos, carboidratos, ácidos etc. E, em certas quantidades, podem indicar a presença de uma doença ou de uma condição específica, como o infarto. A medição desses marcadores em exames de sangue possibilita aos médicos saibam se houve algum dano ao coração, ajudando no diagnóstico rápido e preciso."
Ainda em Minas Gerais, na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), o químico Luciano Rodrigues dá continuidade ao estudo de biossensores para o diagnóstico do infarto, desenvolvido durante seu mestrado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Ele também aguarda recursos financeiros para o produto chegar ao mercado e, finalmente, ajudar a salvar vidas. De acordo com Rodrigues, os processadores ou sensores biológicos são dispositivos portáteis sensíveis de baixo custo, que podem ser utilizados para diagnóstico de várias doenças. "No caso do infarto agudo do miocárdio, esse diagnóstico pode ser feito na própria residência ou em outro local onde a pessoa estiver sentindo sintomas, de modo a verificar os biomarcadores de maneira rápida e acessível.”
Estudos sobre biomarcadores também têm rendido reconhecimento aos pesquisadores mineiros. É o caso da doutora em Ciências Laíse Resende, da UFU, premiada durante o Congresso Canadense de Cardiologia. Os biomarcadores desenvolvidos por ela, que estão em fase de patenteamento, diminuem o custo e o tempo laboratorial de identificação do infarto. "Desenvolvemos os biossensores para detecção e quantificação de moléculas para que o infarto do miocárdio seja detectado de forma precoce e a proposta terapêutica seja administrada bem mais cedo do que é possível hoje com os métodos convencionais. O biossensor ou um biomarcador é um dispositivo que vai responder de forma seletiva a um alvo particular, para identificar uma questão específica. Se a identificação do infarto por biossensores for realizada de forma precoce, a gente tem um melhor prognóstico desses pacientes", diz Laíse.
Apesar de abrigar muitos estudos promissores para o diagnóstico e tratamento do infarto e do AVC, as universidades precisam de mais apoio e recursos financeiros para que as descobertas cheguem à população. Rodrigo Resende pede mais atenção às universidades públicas: “Elas respondem pela maior parte das pesquisas científicas no Brasil. Precisamos de investimento para a transferência de tecnologia, para que as descobertas cheguem como produtos para as pessoas", defende o professor do ICB.
Reportagem em áudio
O Núcleo de Produção e Jornalismo da Rádio UFMG Educativa desenvolveu uma série especial sobre AVC e infarto, na qual trata das pesquisas públicas sobre o tema. Os dois episódios, com produção de Ruleandson do Carmo e Breno Rodrigues, estão disponíveis no Spotify e no SoundCloud. Rodrigues também é responsável pela edição sonora.