‘Cooperação internacional é a única saída para vencer a pandemia’, diz professor da UFMG
Em entrevista à Rádio UFMG Educativa, Ulysses Panisset, que trabalhou 27 anos na OMS, discutiu a importância do organismo multilateral na gestão da crise
No início deste mês, o presidente Jair Bolsonaro ameaçou retirar o Brasil da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ele disse que a organização operava de maneira semelhante a um partido político, e o chanceler Ernesto Araújo propôs a realização de uma investigação internacional sobre o papel da OMS na crise atual. A postura do presidente brasileiro em relação à China e à OMS faz coro à do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que chamou a Covid-19 de vírus chinês, culpou Pequim pela pandemia e retirou o país da entidade.
Mas qual a importância e o papel da OMS na preservação da saúde das populações no mundo inteiro? A Rádio UFMG Educativa conversou com o professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG Ulysses de Barros Panisset, que é funcionário aposentado da Organização Mundial de Saúde, onde trabalhou por 27 anos. Panisset coordenava a aplicação das pesquisas científicas nas políticas públicas e investigava as dimensões epidemiológicas, sociais, econômicas e políticas de pandemias.
Em entrevista ao programa Conexões, o professor explicou as atribuições da Organização Mundial de Saúde: “A OMS é uma organização multilateral, criada e gerida com base em um esforço coletivo de diversos países para funcionar como coordenadora de todos os assuntos relacionados à saúde internacional”, resume Panisset. O professor considera ser um “equívoco perigoso” comparar a organização com partidos políticos. “É claro que a OMS não é uma organização sem falhas, mas ainda é o melhor sistema construído na área. Em minha experiência, pude aferir que ela se empenha no aperfeiçoamento contínuo das ações e sempre trabalha com as melhores evidências científicas disponíveis no mundo”, defende.
Para Panisset, em uma crise sanitária de proporções globais, a entidade cumpre papel fundamental. “Num momento como esse, a OMS trabalha pela colaboração e cooperação entre os países, para que possamos utilizar os melhores recursos e avanços científicos e obter êxito no combate à pandemia”, explica o professor. Por isso, Panisset vê com preocupação os rompimentos diplomáticos promovidos pelos atuais governos: “Estados Unidos e China têm avançado no desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, mas os países realizam pesquisas separadamente. Isso representa uma perda para a humanidade, pois, cada mês que nos atrasamos para obter um resultado positivo, são milhares de vidas perdidas”, lamenta o professor.
De acordo com Panisset, a única saída possível para a crise é a cooperação internacional. “Onde há cooperação entre os moradores, mesmo em pequenas localidades, há êxito no combate ao vírus. Não é por romantismo, é por absoluta necessidade: a cooperação entre todos os países é a única maneira de promover o acesso mundial a medicamentos, vacinas, testes diagnósticos e terapias seguros, eficazes e acessíveis. Esse é o papel da OMS: reunir o melhor que todos os países desenvolvem, para enfrentarmos juntos essa calamidade”, explica Panisset.
Perigos do rompimento com a OMS
Em 29 de maio, o presidente estadunidense Donald Trump anunciou o rompimento com a Organização Mundial de Saúde. O professor Ulysses Panisset vê esse movimento com preocupação: “Os EUA financiavam 17% do orçamento de 6 bilhões de dólares da OMS. Além de ficar sem essa verba durante o combate à pandemia, a organização também perde uma série de outros programas que os Estados Unidos promoviam, como o de aumento ao acesso a medicamentos para tratamento do HIV em países de baixa renda no mundo”.
Ainda segundo o professor da Faculdade de Medicina, “a luta contra o multilateralismo é uma questão estrutural do governo Trump, que, ao promover o ideal ‘America First’, mostra que não está interessado em uma cooperação entre os países". Panisset acrescenta que, ao romper com a Organização Mundial de Saúde, Trump fomenta uma divisão internacional e desvia a atenção dos enormes e criminosos erros que cometeu na condução do enfrentamento da Covid-19 nos EUA.”
Para Panisset, as ameaças de saída do Brasil da OMS são ainda mais preocupantes, porque o país precisa muito mais dos serviços da entidade do que os Estados Unidos. “Os EUA têm um desenvolvimento científico, financeiro e tecnológico na área da saúde. O Brasil, com a falta de investimento na área, as profundas desigualdades sociais e o atual quadro epidemiológico, precisa de todo o auxílio possível da OMS”, justificou o professor.
O site da OMS concentra outras informações sobre as ações de combate à pandemia do novo coronavírus.