Desigualdades geográficas agravaram pandemia no Brasil
Estudo da UFMG produzido em parceria com universidade inglesa revela que investimento prévio em infraestrutura hospitalar diminuiria número de mortes por covid-19
![Arquivo Hospital das Clínicas / UFMG Unidade de enfermaria do Hospital das Clínicas, envolvido desde o início no combate à pandemia](https://ufmg.br/thumbor/3dakUyy9NRO2Ln1ebonrIuXCs9w=/0x0:713x477/712x474/https://ufmg.br/storage/3/3/0/1/3301ce14f08e52c42a1f0e43bf91578b_16087578816387_1687983577.jpg)
Aproximadamente metade das mortes causadas pela covid-19 em hospitais brasileiros poderiam ter sido evitadas caso não houvesse desigualdades geográficas pré-pandêmicas e uma excessiva pressão no sistema de saúde durante a pandemia. A constatação está no artigo Report 46 – Factors driving extensive spatial and temporal fluctuations in covid-19 fatality rates in Brazilian hospitals, que teve a participação do Laboratório de Biologia Integrativa do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG – coordenado pelos professores Renato Santana e Renan Pedra Souza –, da Universidade de São Paulo (USP) e do Imperial College de Londres.
Santana explica que o estudo considerou 14 capitais brasileiras e teve início com a segunda onda de covid-19 no país, que correspondeu ao surgimento da variante P.1., ou gama, conhecida como variante de Manaus, no fim de 2020. “Naquela época, houve o colapso da saúde em Manaus, e, em seguida, vimos essa variante crescer em vários outros estados brasileiros, causando o aumento do número de hospitalizações e mortes pelo Sars-CoV-2. Estudos posteriores do nosso grupo demonstraram a associação dessa variante com aumento da transmissão, dispersão do vírus e severidade da doença.”
Com a informação da data em que a variante gama foi reconhecida em cada uma das 14 capitais consideradas, o grupo observou se a taxa de fatalidade e hospitalização nesses locais havia aumentado ou diminuído com a chegada da nova variante. Por meio do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), os pesquisadores analisaram o número de mortes nas capitais e a estrutura hospitalar de cada cidade, ou seja, o número de leitos disponíveis de enfermaria e UTI, a quantidade de profissionais (como enfermeiras, fisioterapeutas e médicos) e o número de equipamentos hospitalares, como ventiladores. “Consideramos esses dados entre 20 de janeiro de 2020 e 26 de julho de 2021. Eles nos mostraram que houve aumento das taxas de fatalidade e de hospitalização em todas as capitais, mas de forma desigual”, explica Santana.
Heterogeneidade
Segundo Renato Santana, o grupo esperava encontrar números homogêneos de fatalidades e hospitalizações nas capitais, uma vez que a variante gama chegou às 14 cidades avaliadas na mesma época. Porém, a análise dos dados mostrou que cada capital teve as taxas aumentadas em momentos diferentes, refletindo as suas estruturas hospitalares. “Percebemos que a infraestrutura hospitalar das capitais contribuiu mais que a variante gama para o aumento da fatalidade por covid-19. Ou seja, capitais com estruturas hospitalares melhores registraram menos casos de mortes associados à chegada da variante gama, o que demonstrou a importância do investimento em saúde pública durante crises epidêmicas”, diz o pesquisador do Laboratório de Biologia Integrativa.
Assim, apesar de a fatalidade ter aumentado em todas as capitais com a variante gama, ela não foi capaz de explicar, sozinha, a flutuação do número de mortes nas regiões consideradas. O que explicou essa flutuação foi a estrutura hospitalar e a capacidade de receber os pacientes em cada uma das cidades.
![Arquivo pessoal Equipe do Laboratório de Biologia Integrativa do ICB](https://ufmg.br/thumbor/0dx2vEpAPgXYj2KNNFsVJYY1TZI=/0x300:1608x1370/712x474/https://ufmg.br/storage/a/5/1/b/a51b10256e217192cb32678f670ba642_16361186648046_1540583519.jpeg)
Bem na foto, BH tem trabalho de longa data
Entre as capitais analisadas, Belo Horizonte apresentou as menores taxas de fatalidade e hospitalização por covid-19, nunca chegando a 100% de ocupação dos seus leitos hospitalares. O artigo mostra que, caso as demais cidades analisadas tivessem a mesma estrutura hospitalar da capital mineira, 28,8% das mortes poderiam ter sido evitadas, o que equivale, em números absolutos, a 328.294 óbitos. Já a taxa de hospitalização poderia ter sido reduzida em 56,5%.
“Esse resultado reflete os investimentos em saúde pública e estrutura hospitalar na nossa capital ao longo dos anos. Experimentamos uma pandemia por dois anos, e a capital mineira só foi bem porque já tínhamos uma infraestrutura muito boa e hospitais de referência, como o Eduardo de Menezes, no bairro Bonsucesso, e o Júlia Kubitschek, no Milionários, que foram referências no tratamento de casos graves de covid-19. Esses hospitais foram estruturados há muito tempo, desde a época em que enfrentávamos os vírus zica, chikungunya e até mesmo a dengue severa. São estruturas que já vinham sendo montadas e que nos deram boas condições para enfrentar a pandemia”, explica Santana.
O professor acrescenta que o estudo poderá ser utilizado como ferramenta para identificar as regiões que precisam de maior aporte de recursos financeiros do Ministério da Saúde para aprimorar suas infraestruturas hospitalares e contratar profissionais. “Ficou claro que o investimento prévio e uma boa infraestrutura hospitalar são importantes. A pandemia de covid-19 está nos preparando para as próximas doenças. Precisamos investir para enfrentar futuros cenários de crise”, adverte o professor.