Estudantes expõem situações de discriminação e falta de diálogo
Em ‘conversatório’ sobre saúde mental, representantes discentes reivindicam apoio e oferecem sugestões
“Como ex-aluna, usuária da rede de saúde mental e participante da organização da Semana [de Saúde Mental da UFMG] desde as primeiras edições, identifico que o problema não é de convivência, nas relações interpessoais, de aluno para aluno, no dia a dia. O sofrimento mental tem várias fases, há casos de baixa, média e alta complexidade, e um dos problemas é a discriminação por parte muitas vezes de colegas com diagnóstico semelhante, mas de baixa complexidade. Ainda é forte a estigmatização da pessoa com sofrimento mental, e essa foi uma das causas de eu ter abandonado a UFMG e não ter conseguido me formar.”
O desabafo de Laura Fusaro, ex-graduanda do curso de Psicologia da UFMG e representante da Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (Asussam), abriu na manhã desta quarta (16), na Escola de Engenharia, o Conversatório: ser estudante na UFMG, atividade que integra a Semana de Saúde Mental. Organizado por estudantes, o encontro contou com representações de coletivos discentes, alunos da graduação e da pós-graduação e dos pró-reitores de Assuntos Estudantis, Tarcísio Mauro Vago, e de Extensão, Claudia Mayorga. A mesa foi mediada por Junior Baeta, estudante de Teatro e integrante da Rede de Saúde Mental da UFMG
Representante da Moradia Universitária, o estudante de Engenharia de Sistemas William de Souza Pereira destacou questões que afetam os residentes. “Na UFMG, a moradia é um espaço bem singular, pois reúne vulnerabilidade socioeconômica e psicológica. Muitos dos que chegam são jovens, quase adolescentes, com um perfil psicológico muito vulnerável. Eles mudam de cidade, se afastam das famílias, entram em cursos muito elitistas, como as engenharias, e já chegam em situação de sofrimento mental que se agrava com o tempo. Infelizmente, a Universidade não consegue detectar e auxiliar”, alertou.
Diante desse quadro, William propôs, em forma de perguntas, três pontos de reflexão: como a instituição pode começar a lidar com isso desde o início? Como pode desenvolver uma política de redução de danos mais eficiente do que se tem hoje, que envolva técnicos, estudantes e professores? Como os estudantes podem se mobilizar para ocupar assentos em instâncias institucionais e espaços de deliberação como esse, a fim de colocar demandas e perspectivas?
Tiago Almeida Nogueira, do Grêmio Estudantil do Colégio Técnico (Coltec), chamou a atenção para o fato de que muitos estudantes da Unidade procuram o Grêmio por sentirem falta de diálogo e apoio da diretoria. “Nos últimos dois anos, essa manifestação dos estudantes tem sido mais recorrente, e o Grêmio passou a incluir isso na pauta: o Coltec não tem voz dentro da UFMG, parece não haver interesse de oferecer assistência, não há sensibilidade para entender o que a gente passa, o que a gente sente. Por isso, é muito importante participar dessa mesa e compartilhar experiências”, ressaltou.
Resolução simples
O coordenador do DCE, Alexandre Boaventura Cunha, resumiu as atividades que a entidade, os grêmios, centros e diretórios acadêmicos promovem visando à socialização, como festivais, eventos esportivos e de convivência. Ele ressaltou ainda que as queixas sobre problemas psicológicos aumentaram. “Apenas para exemplificar, na Escola de Engenharia muitas queixas são de simples resolução, referem-se à conduta de professores que não têm critério para correção, que dão notas aleatórias, que não consertam notas mesmo depois de identificada inconsistência. Isso gera estresse, retrabalho e sofrimento”, ressaltou.
Alexandre anunciou que, em busca de alternativa para minimizar essas dificuldades, o DCE vai tornar público, ainda neste semestre, uma resolução de ética docente. “Na Universidade, o professor tem muitos direitos, diferentemente do aluno. Muitas reclamações oficiais dos alunos, quando chegam à câmara departamental, recebem respostas demoradas e negativas. Tudo é embasado na autonomia do professor em sala de aula, e os alunos não têm respaldo. Nossa expectativa é que essa resolução estabeleça algumas diretrizes para os professores seguirem e barre o medo que muitas vezes o aluno tem, de ser marcado pelo professor”, explicou.
Pontos de convergência das discussões foram a revelação de que muitos estudantes se frustram com os métodos da instituição universitária e a impressão de que é necessário questionar o sistema. Laura Fusaro propôs incorporar as pessoas com sofrimento mental ao Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI). “O NAI não é preventivo, mas pode ser um intermediador pedagógico e ajudar muito, principalmente nos casos de média e alta complexidade. A ideia é que o aluno não tenha que discutir com cada professor sobre seu laudo, esperando as reações ao seu diagnóstico, e que não passe pelo constrangimento de ser jubilado. A comunidade acadêmica está focando muito em atendimento psicológico, mas tem que haver outros instrumentos institucionais de suporte.”