Estudo do Cedeplar mostra inconsistências em dados sobre educação
Trabalho premiado nos EUA identificou discrepâncias em números e informações apurados por censos populacionais
A educação é uma variável que exerce papel preponderante em diversos estudos, como os que medem alterações nos índices de escolaridade, os que fazem projeções da população por nível educacional e os que calculam distribuição de renda ao longo do tempo. Mas pesquisadores que utilizam esse tipo de informação precisam ser cautelosos, porque há limitações na qualidade dos dados dos censos no Brasil sobre educação.
O alerta decorre de pesquisa da pós-graduação em Demografia da UFMG que resultou na tese Overcoming the limitations of demographic data: papers on mortality, the extreme aged and education (Superando as limitações de dados demográficos: artigos sobre mortalidade, população nas idades mais avançadas e educação), defendida em 2017 por Marília Nepomuceno, sob orientação do professor Cássio Turra. O trabalho foi abordado em matéria publicada na edição 2018 do Boletim UFMG.
A tese é composta de três artigos, e o que trata da qualidade da educação reportada por adultos foi premiado no final de abril, pela Population Association of America (PAA), em encontro em Denver (EUA). “Muitos pesquisadores usam esse tipo de informação, mas ninguém se importa com a qualidade dos dados de educação nos censos demográficos brasileiros”, afirma Cássio Turra, que investigava com Marília a relação entre educação e mortalidade. “A associação entre essas variáveis é documentada no mundo inteiro, e, no Brasil, há indicações de que ela também é significativa, mas não dispomos de dados suficientemente robustos para mensurá-la com precisão”, acrescenta.
Confusões
De acordo com o professor, a expectativa é de que, à medida que cresce o tempo de estudo, aumente também, gradual e continuamente, a probabilidade de se viver por mais tempo. No entanto, a análise dos números revelados pelos censos demográficos nacionais de 1991 e 2000 não encontrou resultados que corroborassem essa lógica de forma consistente.
“Os níveis educacionais parecem ser reportados com erros pelos adultos nas entrevistas feitas pelos recenseadores. E isso é mais comum quando se trata de pessoas mais velhas e de escolaridade mais baixa”, afirma Turra. O detalhamento dos dados revela que, na maioria dos casos, as informações erradas foram fornecidas por pessoas sem escolaridade e com cinco e nove anos de estudo: como elas chegaram a mudar de segmento educacional (do fundamental para o médio, por exemplo), é provável que elas informem um nível superior, ainda que pouco tenham avançado.
“Em um contexto marcado pela expansão do acesso à educação, verificada nas últimas décadas, é possível que as pessoas se sintam motivadas a superestimar seu nível de escolaridade”, conjectura o pesquisador do Cedeplar. Marília Nepomuceno e Cássio Turra também encontraram números discrepantes de uma edição do censo para outra. Eles consideram a hipótese de que mudanças no sistema educacional, no que se refere a níveis e faixas etárias e de terminologia, também possam gerar confusões que influenciam nos resultados, apesar do esforço do IBGE de considerar essas alterações em seus questionários.
Situação semelhante ocorre com questões que não aparecem representadas pelas mesmas perguntas em dois censos seguidos. Por exemplo, o censo de 1991 indaga sobre série e grau concluídos com aprovação; em 2000, a ordem das perguntas é invertida – pergunta-se sobre curso em vez de grau. As respostas possíveis também são diferentes, talvez para tentar considerar as mudanças no sistema educacional. Estudos realizados para outros países mostram que pequenas modificações podem levar a respostas diferentes da mesma pessoa, anos depois. Aspectos como migração e os efeitos de cursos para jovens e adultos não devem ser ignorados, mas tendem a ter efeito menor.
Homens e mulheres
Apesar da incerteza sobre a qualidade dos dados, após uma série de tratamentos metodológicos para tentar contorná-los, foi possível identificar, por meio de razões de sobrevivência intercensitárias, o esperado diferencial de mortalidade por educação. Ou seja, para os mais educados a mortalidade é menor. Por exemplo, aos 40 anos, homens com 12 anos ou mais de estudo esperam viver em média seis anos mais que aqueles que frequentaram a escola por até três anos. No caso das mulheres, essa diferença é de nove anos. O diferencial varia, no entanto, para diferentes coortes de homens e mulheres, o que reforça, segundo os pesquisadores, a necessidade de novas investigações para que se conclua quanto desse efeito é real e quanto é provocado pela qualidade da informação de educação no censo demográfico.
A próxima etapa dos estudos desenvolvidos por Marília Nepomuceno e Cássio Turra será a análise de outras bases de dados, como as Pesquisas Nacionais de Amostras por Domicílio (Pnads). “O projeto tem também o objetivo de mensurar a magnitude do erro contido na educação declarada. Uma alternativa seria relacionar diferentes bases de dados, cruzando, por exemplo, as informações de educação do registro civil com os dados dos censos”, revela Marília, que atualmente integra grupo do Max Planck Institute for Demographic Research, em Rostock, Alemanha.
Os estudos que resultaram na tese de Marília Nepomuceno integram esforço mais amplo de pesquisadores e alunos do Cedeplar para medir os diferenciais de mortalidade no Brasil, por educação, renda, ocupação e região, entre outras variáveis.