Ex-cotistas relatam suas experiências no mestrado em Docência e Educação
'Enquanto eu for professor, a cada dia a coisa vai ficar mais preta', sentencia egresso formado pelo Promestre
Izaú Gomes é professor de educação física da rede municipal de educação, na Escola Municipal Pedro Aleixo, no Barreiro. Já trabalhou como DJ, feirante e chegou a cursar o técnico em Edificações no Cefet-MG. Concluiu uma graduação em Educação Física, em 2014, na PUC-MG, via Prouni, o Programa Universidade Para Todos. Hoje, é mestre profissional pela Faculdade de Educação da UFMG, graças às políticas de ações afirmativas na Pós-graduação da Universidade.
“Se hoje eu chego na lanchonete e compro um pão de queijo sem pensar em dinheiro, foi por causa da Educação”, disse Izaú na mesa Relatos de egressos(as) ex-cotistas, realizada nesta quarta-feira, 20, durante a programação da 1ª Semana Negra do Promestre, o mestrado profissional em Educação e Docência da Faculdade de Educação (FaE).
Além de Izaú, a mesa reuniu Luzia Maria Alves da Silva, formada na primeira turma do mestrado profissional, e o professor Guilherme Prado, que leciona na Faculdade de Educação da Unicamp (SP).
Eles compartilharam vivências e trajetórias com os atuais mestrandos do programa, narrando as várias possibilidades da pesquisa acadêmica e os percalços que enfrentaram pelo caminho. “É interesse do nosso programa, que adota a política de cotas na pós-graduação desde que foi implementada na UFMG, identificar o impacto da realização de um mestrado na vida desses jovens professores e educadores”, conta Amália Cunha, coordenadora do Promestre. “Por isso, é importante afirmar aquilo que é um direito [no caso das cotas raciais], mas também divulgar e democratizar essa experiência de passar por uma formação continuada na Universidade". explica.
'Chorava e escrevia'
“Atravessado pelos processos de militância e de consciência negra, eu comecei a me questionar. A educação física é uma área que peca muito em relação à formação de professores e professoras no que diz respeito às questões étnico-raciais”, disse Izaú Gomes, indicando uma lacuna da Lei 10.639, que prevê o ensino sobre história e cultura afro-brasileira em todo o currículo escolar.
Por estar em contato com pesquisas e experiências de narrativas e escritas autobiográficas, Izaú fez do seu questionamento inicial um objeto de pesquisa, com o objetivo de entender as percepções de estudantes negros sobre a educação física no contexto escolar.
“Mas, às vezes, a nossa pesquisa não dá certo”, ele reconhece. “O universo acadêmico é muito maquiado. Tudo que nós vemos é lindo quando a gente não conhece o processo. No primeiro ano, eu quase surtei, pensei em desistir várias vezes”, conta, admitindo que ocasionalmente parava para chorar na mata próxima do Centro Pedagógico, entre a avenida Antônio Carlos e a Faculdade de Educação.
O caminho também foi espinhoso para Luzia Silva, que cursou mestrado profissional na linha de Humanidades. “Entrei pro Promestre em 2014, e aí começou a batalha”, ela introduziu.
“A minha pergunta eu já sabia. Queria trabalhar com gênero, pensando as práticas de socialização das mulheres negras da EJA [Educação para Jovens Adultos]. Mas acabei mudando o grupo focalizado", conta Luzia, que terminou fazendo sua dissertação sobre jovens mulheres negras no ensino médio. “À medida que eu ouvia as falas das meninas, fui me identificando com elas . Houve momentos em que eu chorava e escrevia”, ela lembra.
Ao fim do processo de mestrado, os estudantes do Promestre precisam desenvolver algum produto pedagógico que reflita o percurso da pesquisa. Enquanto Luzia realizou intervenções na Escola Estadual Luiz de Bessa, na região Nordeste de Belo Horizonte, onde trabalhava, Izaú organizou um livro com textos e ilustrações das cinco jovens negras que toparam participar do projeto.
Inspirado pela noção de "escrevivências" da escritora Conceição Evaristo, Izaú também produziu um trabalho que mesclava as referências bibliográficas de sua pesquisa teórica e suas próprias experiências.
Essa decisão se reflete tanto nos títulos que abrem cada capítulo, inspirados nas letras dos Racionais Mc's, quanto no modo como Izaú começa o seu texto: reproduzindo na íntegra o poema Abre caminho, de sua própria autoria, cujo verso final está reproduzido no subtítulo dessa matéria.
Cotas raciais na pós-graduação
A reserva de vagas para pessoas negras, indígenas e com deficiência na pós-graduação foi estabelecida em 2017 por resolução do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da UFMG. A ação integra a política de ações afirmativas da Universidade, que atua para incluir e facilitar a permanência de grupos socialmente discriminados no ambiente acadêmico.
“É importante a presença dessas pessoas”, disse o professor Guilherme Prado, que também participou da mesa. “Essa diversidade movimenta pensamentos, constrói outras possibilidades de solidariedade, de trabalho coletivo e de diversidade que precisamos exercitar”, argumenta.
A mesa-redonda integrou a programação do Novembro Negro da UFMG, mês de realização de uma série de debates, eventos e ações que põe em evidência a presença negra na Universidade. A programação foi elaborada por diversos movimentos e instâncias da Universidade, como o Centro de Convivência Negra, o Diretório Central dos Estudantes e a Pró-reitoria de Assuntos Estudantis.