Pesquisa e Inovação

Livro investiga urbanização brasileira dos séculos 19 e 20

Em obra publicada pela Editora UFMG, Alícia Penna revira acervo fotográfico e bibliográfico e discute como esse processo acarretou segregação socioespacial

Doutora em Geografia pela UFMG, Alícia Duarte Penna lança nesta semana em Belo Horizonte o livro A cidade brasileira entre os séculos XIX e XX: periferias e centros, pobrezas e riquezas, publicado pela Editora UFMG. Na obra, a professora busca se aproximar especialmente das classes marginalizadas, por vezes esquecidas como fundantes das cidades brasileiras. Em sua análise, ela revisita – entre bairros proletários e vilas operárias, favelas e cortiços, quando não senzalas – a urbanização brasileira dos últimos séculos como processo catalisador de transformações sociais. O livro será lançado neste domingo, 29, às 11h30, na Livraria Scriptum, que fica na rua Fernandes Tourinho, 99, na Savassi.

'Na cidade brasileira entre os séculos XIX e XX', de Alícia Duarte Penna
'Na cidade brasileira entre os séculos XIX e XX', livro de Alícia Duarte Penna publicado pela Editora UFMGImagem: Reprodução de capa

Na obra, Alicia Penna analisa o processo de urbanização vivido por seis cidades brasileiras – Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo – ao longo de 150 anos. Diferentemente das abordagens mais tradicionais da geografia e da história (que, na opinião da autora, tendem a ser precárias e mais fragmentárias, concentrando-se ora no espaço periférico, ora no espaço central), Alícia faz uma abordagem mais abrangente da temática, visando “reencontrar o tempo no espaço e através dele”, como Alícia anota na obra. “O livro traz uma perspectiva diferente, pode-se dizer inovadora, ao processo de urbanização brasileiro”, escreve Heloisa Soares de Moura Costa na introdução do volume. Professora do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências (IGC) da UFMG, Heloisa orientou a tese de doutorado de Alícia, que deu origem ao livro.

“Esse ‘novo olhar’ refere-se à tentativa de aproximação daquelas realidades urbanas pretéritas, do que resultou uma nova periodização da história de nossas cidades entre os séculos XIX e XX, não mais estabelecida segundo a economia e a política (que nos deram períodos conhecidos como, por exemplo, cidade colonial ou cidade republicana), mas segundo o que funde economia e política: o espaço”, explica a autora em entrevista ao Portal UFMG. “Não trato exclusivamente das periferias, pois, para mim, somente as podemos enxergar diante dos centros, e vice-versa. Aliás, o surgimento disso que se chama comumente ‘periferia’ é precisado no livro”, ela conta. Partindo da premissa marxista de que a sensibilidade é a base da ciência, a autora então atribui à produção do espaço a dimensão trágica que lhe é própria, evitando investigar as desigualdades sociais de forma abstrata, isto é, “como se não nos tocassem”.

Construção do espaço social das cidades
No primeiro dos três capítulos do livro, Alícia Penna analisa as particularidades e semelhanças de cada metrópole e discute como as desigualdades socioespaciais são percebidas não apenas internamente, mas entre as próprias cidades. “Qualquer história, dentro e durante os capitalismos, não transcorre igualmente. Há estruturas intraurbanas ainda vigentes em cidades não centrais que foram experimentadas por metrópoles há mais de 50 anos. Para que algumas se adiantem, digamos assim, outras se atrasam”, ela explica. A fala de Alícia vai ao encontro da realidade percebida durante a pesquisa: as diferentes cidades não foram abordadas em semelhante medida pelo discurso histórico, visto que a produção científica e bibliográfica também obedece à lógica centros-periferias, concentradas no eixo Rio-São Paulo.

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No segundo capítulo, a autora cria uma imagem de cidade por meio de lembranças encobertas pela história oficial, mas presentes em literatura, fotos – todas extraídas de fontes secundárias – e em registros da memória oral. Esse conjunto de imagens e relatos ajuda a mostrar como, no decorrer dos séculos, foi privilegiado o “fazer história” das classes de alta renda, ao passo que se negligenciava o “fazer história” próprio dos bairros pobres. Por fim, no terceiro capítulo, composto como uma síntese dos anteriores, Alícia discute o modo como os corpos viventes das cidades resultam como produto de uma “formação econômico-social-ideológica-espaçotemporal”. Sob essa perspectiva, suas reflexões ajudam a compreender a configuração da sociedade contemporânea, ainda marcada pelas relações de domínio, hierarquia e apropriação socioespacial.

Alícia Penna:
Alícia Penna: leitora-interpretadora, 'sensível tanto aos textos quanto ao mundo, incluindo que está nele'Foto: Paulo Schmidt | divulgação

Poeta urbanista
Nascida em Belo Horizonte, Alícia Duarte Penna graduou-se em Arquitetura pela UFMG em 1987 e fez mestrado e doutorado em Geografia no Instituto de Geociências (IGC) da Universidade, sempre sob a orientação da professora Heloisa Soares de Moura Costa. Para Alícia, Na cidade brasileira entre os séculos XIX e XX: periferias e centros, pobrezas e riquezas é uma espécie de corolário de sua carreira como professora de urbanismo na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

A professora também tem carreira na literatura. Como escritora, ela publicou, entre outros, Duo terno e gravata (independente, 1984), Quarenta e dez poemas (Scriptum, 2012) e Origem-destino (Impressões de Minas, 2023). Para Alícia, não há como dissociar o ser poeta do seu lado urbanista. “Acho que tanto como poetas quanto como pesquisadoras (e não sou a única), somos leitoras-interpretadoras, sensíveis tanto aos textos quanto ao mundo, incluindo quem está nele”, afirma.

Livro: Na cidade brasileira entre os séculos XIX e XX: periferias e centros, pobrezas e riquezas
Autora: Alícia Duarte Penna
Editora UFMG
281 páginas | R$ 80

Hellen Cordeiro