Gestores discutem os desafios para a formação de redes de cultura nas universidades
Roda de conversa do segundo dia do 54º Festival de Inverno reuniu Albino Rubim, da UFBA, Gonzalo Vicci Gianotti, da Universidade da República (Uruguai), e o pró-reitor de Cultura, Fernando Mencarelli
A noite desta terça-feira, 19 de julho, segundo dia do Festival de Inverno UFMG, foi marcada por discussões sobre as redes de cultura construídas nacional e internacionalmente. Em mesa on-line, transmitida pelo canal Cultura UFMG no YouTube, o pró-reitor de Cultura da Universidade, Fernando Mencarelli, abriu os trabalhos lembrando que “o momento crítico por que passam nossas instituições públicas de ensino superior, que está agravado pelos recentes cortes de verbas, repercute em todo o festival”.
Em seguida, Mencarelli destacou a importância desse diálogo com profissionais que se dedicam à cultura em outras instituições do país e do mundo. “Esta edição faz coro em defesa da universidade pública, da ciência e do papel central da cultura na missão das nossas instituições. Por isso, neste ano de 2022, o nosso olhar se volta para os avanços da política cultural dentro da nossa própria universidade, a UFMG, mas fazendo isso em diálogo com os nossos parceiros nacionais e internacionais”, afirmou o pró-reitor.
O primeiro debate, Redes Internacionais de Cultura, como lembrou Mencarelli, reafirma a importância das movimentações em prol do fortalecimento da cultura nas universidades públicas, que têm ocorrido não só no Brasil, mas em diversos países no âmbito internacional. Tal movimento, segundo o pró-reitor, foi fundamental para os avanços nas políticas culturais na UFMG, que resultaram, recentemente, na institucionalização da Pró-reitoria de Cultura (Procult), tema discutido no primeiro dia do Festival de Inverno UFMG.
Carta em defesa da cultura
Antes da discussão das experiências internacionais, o professor Fernando Mencarelli fez a leitura da Carta de Goiânia, elaborada durante o 5º Fórum Nacional de Gestão Cultural das Instituições de Ensino Superior (Forcult), realizado em setembro de 2021. Assinado por professores, estudantes, artistas e pesquisadores na área da cultura, o documento relembra o direito à cultura garantido pela Constituição de 1988 e defende a “democratização do acesso aos bens culturais, o apoio, a defesa, a valorização e o reconhecimento da diversidade étnica e racial das instituições formadoras”.
O texto trata também da retomada dos investimentos em cultura, elemento "indispensável para a formação humana e o exercício pleno da cidadania”, da necessidade da sistematização de políticas culturais nas instituições públicas de ensino superior, que devem ser orientadas por planos de cultura, em consonância com o Plano Nacional de Cultura.
Momentos de aglutinação
As experiências de redes culturais em âmbito internacional apresentadas por dois convidados abordaram dois modelos distintos: uma perspectiva baseada na produção conjunta, experiência compartilhada pelo ex-secretário de Cultura da Bahia, Albino Rubim (UFBA), e outra que se caracteriza pelo caráter de plataforma, mantida por meio da Associação das Universidades do Grupo Montevideu (AUGM), apresentada pelo professor Gonzalo Vicci Gianotti, da Universidade da Republica (Uruguai).
A primeira rede, segundo o professor Albino Rubim, foi criada, inicialmente, por meio da união de duas universidades: a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a portuguesa Universidade da Beira Interior (UBI). “A rede foi criada para aglutinar experiências de duas universidades que já vinham trabalhando juntas e fazendo intercâmbio de conhecimentos e informação”, lembrou o pesquisador.
Albino Rubim explicou que essa rede parte do princípio de que “a cultura perpassa toda a Universidade, mas que, em geral, a atividade cultural das universidades está muito dispersa. Portanto, qualquer ponto de aglutinação se torna fundamental e da maior importância, como acontece agora na UFMG, com a criação da Procult”. Para o pesquisador, “esse é um dos dramas da cultura: a dispersão perpassa toda a instituição, mas, ao mesmo tempo, dificulta a aglutinação.”
Segundo Rubim, a parceria engloba diversas áreas, mas é no campo da cultura que “essa cooperação se torna mais importante”. “A UFBA tem muita tradição no campo da cultura: criou um curso de produção cultural em 1996, um dos primeiros do Brasil. Em 2003, abrimos um centro de pesquisa em cultura. Em 2005, uma pós-graduação multidisciplinar em cultura e sociedade e, mais recentemente, em 2008, o Instituto de Humanidades, Artes e ciências”, elencou.
Esse compartilhamento de experiências entre UFBA, cuja trajetória institucionalizada com a cultura remonta a 1996, e da UBI, cujas experiências são mais recentes, têm resultado em congressos conjuntos recorrentes e na agregação de outras universidades, como a portuguesa Universidade do Minho (Uminho) e a Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB). Depois, ingressaram ainda as universidades Zambeze (Mocambique), as portuguesas Nova de Lisboa, do Algarve, de Aveiro e a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Depois do último congresso, já conversamos [para ingresso futuro] com outras universidades que ainda não são formalmente da rede, entre elas a UFMG, a Federal Fluminense (UFF) e a Estadual do Ceará (Uece), que têm uma tradição no campo da cultura”, explicou Rubim.
Experiência uruguaia
Professor da Universidade da República (Udelar) e delegado-assessor representante do Uruguai na AUGM, Gonzalo Vicci Gianotti destacou a importância da Udelar, que concentra cerca de 80% das atividades de produção científica do país sul-americano. “Essa característica obriga que a universidade tenha vocação de expandir o acesso à possibilidade de carreiras de estudos terciários”, defendeu.
Na abertura, Gianotti também destacou o papel da resistência da instituição aos processos de ditadura militar no Uruguai no “processo custoso de expansão” da atuação da universidade no país. “O capital cultural, científico, artístico e acadêmico da Udelar se dispersou com a ditadura. Então, a Universidade teve que iniciar um processo de reconstrução para retomar o que havia sido iniciado na década de 50”, explicou.
Outro desafio, inclusive para os investimentos em cultura, segundo o pesquisador, é que “as universidades financiadas com verba pública têm a vocação de retornar para a sociedade o que está aportando nas instituições”, e “essa vocação de universidade pública acessível e servidora do poder democrático e de acesso à educação implica que os orçamentos sempre estão condicionados”. “Nesse contexto, a possibilidade de contar com um espaço vinculado especificamente à área cultural na nossa universidade sempre é uma quimera para nós”, completou.
Para Gianotti, os discursos da academia e do sistema político nem sempre se encontram: “o sistema político fala da cultura de uma dimensão, e a universidade, de outra". Em sua visão, “a possibilidade de encontro entre essas dimensões é conflitiva", e a universidade tem de estar sempre lutando para demonstrar para a sociedade que os processos que ocorrem nas instituições públicas de ensino são “atravessados e imbricados pela noção de cultura.”
“A universidade tende a ficar fechada em si mesma. É preciso pensar em ações que possibilitem abrir as portas para concepções de cultura que vão ao encontro de outras concepções que estão sendo produzidas pela população, sem visibilidade em meios de comunicação massivos e também dentro da própria universidade”, defendeu Gianotti.
Institucionalização de espaços
A tensão constante, segundo o professor uruguaio, é encontrar mecanismos para efetivar a política de cultura nas universidades públicas. “A experiência da UFMG e de outras instituições brasileiras é uma inspiração para nós”, afirmou. Além dessas experiências, Gianotti disse que é preciso também “institucionalizar o compromisso das universidades em sustentar esse espaço, por meio de planos de ação”. É nesse contexto que foi criado o Comitê de Produção Artística e Cultural da AUGM, entidade atualmente presidida pela reitora da UFMG, Sandra Goulart Almeida.
“Nós temos buscado o protagonismo do comitê nas ações de visibilização das produções das universidades. Sabemos que os desafios são maiores em universidades que não têm espaços específicos para isso. Não é um caminho fácil, já que implica decisões políticas e institucionais”, avaliou Gianotti.
O maior problema, segundo o pesquisador, é que as universidades “enfrentam uma conjuntura muito difícil para defender a ideia de universidade pública e gratuita, de livre acesso, e, ao mesmo tempo, ser um motor de impulso para as culturas que formam nossa sociedade”. “A única forma de sair fortalecido dessa luta é gerar redes acadêmicas fortes, concisas, confiáveis, sustentadas num conhecimento mútuo e na confiança nas pessoas que trabalham cotidianamente com esses temas e também na reciprocidade”, concluiu.