Guimarães Rosa reescreveu imaginário do sertão, diz tese da História
Análise é centrada no livro 'Corpo de baile'
Certos escritores e obras literárias tratam com tanta profundidade uma realidade ou tempo que sua relevância transcende o campo estrito da literatura e dos estudos literários e desperta interesse em outras áreas, como filosofia, psicologia, sociologia e história. Um caso emblemático desse tipo de deslocamento ocorre na obra de Guimarães Rosa, que parece ter colaborado decisivamente para a problematização de vários imaginários construídos no (e sobre o) Brasil durante o século 20 – entre os quais, o imaginário de jagunço, de amor homossexual e de vereda.
Na tese O “omelete ecumênico”: reescritas do (outro) sertão no Corpo de baile de Guimarães Rosa, defendida recentemente no Programa de Pós-graduação em História da Fafich, Danilo Almeida Patrício discute um desses imaginários que, construídos por Rosa no decorrer de sua obra, transcenderam o âmbito literário para tocar, particularmente, o âmbito da história. O pesquisador toma a obra de Rosa como corpo ficcional que reescreve os sentidos históricos existentes sobre o sertão brasileiro. O trabalho foi abordado em matéria publicada na edição 2011 do Boletim UFMG.
Afora a abordagem do tema que Rosa faz em outras de suas obras, como Grande sertão: veredas, Danilo Almeida dedicou-se a investigar especificamente as sete novelas reunidas pelo escritor no volume Corpo de baile. Aglutinadas originalmente em Corpo de baile, em 1956, elas foram posteriormente divididas em três volumes, quando de sua terceira edição, em 1964. Na ocasião, a obra foi desdobrada nos livros Manuelzão e Miguilim, No Urubuquàquà, no pinhém e Noites do sertão, formato que persiste até hoje.
Universo instável
O pesquisador defende que, por meio dessa reescrita histórica realizada ficcionalmente, Rosa deslocou o sertão de uma perspectiva estável e resolvida – o sertão como uma ideia determinada pela perspectiva do poder, que lhe é exterior – para uma perspectiva instável, em movimento: o sertão “como lugar inesgotável”, universo heterogêneo que não se fixa; um sertão em dança, em “baile”, cujos sentidos mantêm-se em movimento ininterrupto – e em constante reinvenção.
Corpo de baile possibilita ver o sertão de novas formas, sentindo-o e percebendo-o como outro corpo de história”, escreve Danilo Almeida, considerando que a literatura pode ser uma forma de (re)escrever a história. Segundo o pesquisador, em razão da “força e intensidade do artístico” presentes no conjunto de novelas, o livro promove “ampla e profunda ação que reescreve o sertão brasileiro na dimensão do poético”, na contramão das noções globalizantes da história, que pressupõem homogeneidades de tempo e espaço. Assim, diz o pesquisador, Guimarães Rosa promove uma “reunião de repertórios, acontecimentos, vivências, coisas diversas que, coexistindo na ficção, realizam a história e seus fatos, possibilitando novas relações realizadas na leitura”.
Para o pesquisador, essa revisão do imaginário promovida pelo livro desconstrói um “senso comum que interessa ao poder” – particularmente, no aspecto que “associa o sertão a um lugar de ingenuidade do país, espaço territorial ‘menos evoluído’ em relação aos centros urbanos, por vezes tomado como passivo, atrasado na ‘essência’ rural da nação”. Ao contrário, Corpo de baile vai sugerir um sertão que se apresenta “na força heterogênea de singularidades”, nas palavras de Danilo Almeida. Utilizada, segundo Haroldo de Campos, pelo próprio Guimarães Rosa, a expressão “omelete ecumênico” surge com esse sentido: pretende aludir ao artístico – e a sua produção e exposição – como a “reunião de lugares diversos que são postos em movimento na ficção”.
Tese: O “omelete ecumênico”: reescritas do (outro) sertão no Corpo de baile de Guimarães Rosa
Pesquisador: Danilo Almeida Patrício
Orientador: Douglas Attila Marcelino
Programa: Pós-graduação em História da Fafich