Livro de jornalista aborda questão dos indocumentados e a negativa de direitos básicos
Em entrevista à Rádio UFMG Educativa, Fernanda da Escóssia analisou tema de sua obra e vê como positivo que o assunto tenha tido visibilidade na redação do Enem 2021
O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021, aplicada no domingo, 21, foi "Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. A temática levanta discussões importantes sobre a situação dos ‘invisíveis’ no nosso país. Sobre o assunto, a jornalista Fernanda da Escóssia lançou recentemente o livro Invisíveis: uma etnografia sobre brasileiros sem documento. Resultado de sua tese de doutorado, o trabalho retrata as trajetórias de brasileiros adultos sem certidão de nascimento e as estratégias encontradas por essas pessoas para comprovar a própria identidade. Dados da antiga Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) contabilizaram, em 2015, cerca de 3 milhões de brasileiros de variadas idades que viviam sem documentação.
Sem registro civil não é possível obter outros documentos, votar, ter um emprego formal, abrir uma conta no banco e registrar bens. O acesso à saúde e políticas públicas é limitado ou, quase sempre, inexistente. No livro, a autora acompanha a história de indivíduos que nunca foram registrados e, portanto, não são considerados cidadãos. Ela apresenta uma reflexão sobre o valor do documento. Um trecho da obra, inclusive, foi apresentado como texto motivador na proposta de redação do Enem 2021.
O programa Conexões desta quarta, 24, apresentou entrevista com a jornalista, editora na revista Piauí e professora substituta na Escola de Comunicação da UFRJ, Fernanda da Escóssia. Ela falou sobre o livro Invisíveis e discutiu as questões que são abordadas na obra. A jornalista contou que desenvolveu sua pesquisa de doutorado por meio de visitas ao longo de 2 anos a um serviço público e gratuito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro de combate ao sub-registro. São vários ônibus que compõem a ação e a professora visitava um no centro da capital fluminense especializado em certidão de nascimento, o primeiro e mais importante documento, pois, sem ele, ninguém tem acesso a nenhum outro.
A jornalista destacou a urgência em discutir o assunto e, daí a importância de colocá-lo em foco para milhões de pessoas em uma prova como o Enem. Ela detalhou como essas pessoas sem documentos vivem à margem do Estado, privadas de direitos como o voto, acesso a programas sociais, saúde e educação. E quando vão buscar exercer o direito de ter documentos passam por problemas burocráticos, como a “síndrome do balcão” – locais que sempre as direcionam para outro e o problema não se resolve. A tese e o livro da convidada também abordam a questão das pessoas presas que não têm documentos e, por isso, não conseguem sequer receber visitas da família no estabelecimento prisional.
Fernanda da Escóssia comentou a defasagem de dados em relação aos indocumentados – agravada pelo atraso do Censo 2020 – e analisou como a falta de registro afeta o indivíduo em relação a ele próprio. “Essas pessoas sem documentos muitas vezes falam de si como não-pessoas, não se veem como sujeitos de direitos, mais que isso, não se veem como sujeitos, se veem como pessoas que não existem. É chocante também que essas pessoas têm muita vergonha da sua condição de indocumentada. Elas se sentem muito culpadas por não ter documentos, quando, na verdade, é um direito que lhes foi negado. Mas elas contam que foram julgadas várias vezes por não terem documentos, as pessoas perguntam os motivos delas não terem corrido atrás”, sintetizou.
Ouça a entrevista completa pelo Soundcloud.
Invisíveis: uma etnografia sobre brasileiros sem documento, de Fernanda da Escóssia, é publicado pela Editora FGV e está disponível em livrarias físicas e virtuais. Mais informações no site da editora.
Produção: Enaile Almeida, sob orientação de Luíza Glória e Alessandra Dantas
Publicação: Alessandra Dantas