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Macaé Evaristo defende pluralidade da agenda dos direitos humanos

Ministra participou, juntamente com a filósofa Márcia Tiburi e com a reitora Sandra Goulart, da mesa de encerramento da Semana Feminista da Fafich

Marcia Tiburi, Sandra Goulart, Macaé Evaristo e Marlise Matos
Marcia Tiburi, Sandra Goulart, Macaé Evaristo e Marlise Matos: lutas essenciais para a construção democráticaFoto: arquivo Nepem UFMG

Uma democracia só será plena quando todas as pessoas couberem nela. Essa foi a mensagem central da mesa Feminismos, antirracismo e direitos humanos, que encerrou, na última sexta-feira, dia 27, no auditório da Reitoria, a primeira edição da Semana Feminista da Fafich. O evento foi organizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem), criado em 1984. “Estamos comemorando 41 anos de resiliência institucional", resumiu a professora Marlise Matos, coordenadora do Núcleo, na abertura dos trabalhos.

O debate reuniu, além da própria Marlise, a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, a filósofa Márcia Tiburi e a reitora Sandra Regina Goulart Almeida. A ministra iniciou sua fala elencando várias lutas essenciais à construção democrática. “A gente não acredita que é possível conceber uma democracia em que as mulheres, em que a população negra e em que todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual, condição física, sensorial não façam parte", defendeu a ministra. 

Dos feminismos às lutas pela terra e dos quilombolas às lutas pela educação pública de qualidade, o que todos querem é ser reconhecidos em sua humanidade, como sujeitos de direito. Segundo Macaé, falar de feminismo, antirracismo e de direitos humanos – tema da mesa – nada mais é do que falar sobre o Brasil, que, pela sua própria natureza, é plural. “A gente deve desconfiar daquelas pessoas que querem atacar toda essa pluralidade", alertou Evaristo. 

Doutoranda na UFMG, Macaé destacou que, como ministra, trabalha para desmitificar um discurso em voga no Brasil, alimentado pela extrema direita, segundo o qual “falar de direitos humanos é defender bandido. A extrema direita é herdeira do colonialismo, dos escravocratas, de uma matriz de pensamento que não reconhece a humanidade em nós".

A ministra falou ainda da luta de movimentos sociais por dignidade e a importância de reivindicar ações de não esquecimento e o direito à memória no Brasil, a exemplo dos crimes de Brumadinho e de Mariana, a verdade sobre a escravização das pessoas negras, o tratamento às populações indígenas, a ditadura militar e luta de muitas mulheres no Brasil que tiveram seus filhos assassinados pela polícia.

Feminismo palpável
Ao mesmo tempo que essas mulheres demonstram resiliência e capacidade de permanecer em várias frentes de batalha, a ministra afirmou que não há políticas de cuidado para elas. Exemplos do cotidiano, como o das mães que perdem seus filhos ou da recente tragédia de Juliana Marins na Indonésia, põem o feminismo em um campo palpável e não etéreo, configurando um cenário bem diferente daquele pintado por aqueles que afirmam ser uma mera luta identitária – os mesmos, de acordo com ela, que usaram o discurso anticorrupção para justificar o golpe que removeu Dilma Rousseff da Presidência e não leem o corpo negro e periférico como sujeito de direito da segurança pública e da moradia digna e pacífica. 

Macaé:
Macaé: 'temos um território a discutir'Foto: arquivo Nepem | UFMG

“O meu corpo, por si só, já é lido fora dessa ordem normativa. A gente precisa traduzir isso em políticas públicas bem objetivas", defendeu Macaé, que encerrou a sua fala descrevendo ações do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania como os programas de proteção a mulheres, a defensores de direitos humanos, ambientalistas e jornalistas – iniciativas desenvolvidas em áreas de conflito.

A ministra citou casos de violência política de gênero: “Eu conheço mulheres que eram vereadoras, que enfrentavam, por exemplo, as polícias os seus estados. E perderam a eleição. Essas mulheres tinham carros blindados. Em 1º de janeiro, não tinham mais o carro blindado”. E completa: “A gente não vai encerrar a nossa vida política por ameaça. Nós temos que continuar ali. Nós temos um território a discutir; é ali que a gente faz a luta", disse a ministra.

A filósofa Márcia Tiburi, que dedicou sua fala à vereadora Marielle Franco, exemplifica o cenário descrito por Macaé, pois está inscrita no Programa de Defensores de Direitos Humanos do Ministério. Ela teve que sair do Brasil em razão de uma campanha de difamação e perseguição deflagrada com a publicação do livro Como conversar com um fascista?. “Fui perseguida porque sou uma pessoa que expressa publicamente o meu pensamento e, obviamente, porque eu sou uma mulher que pensa. E os homens reservaram o lugar do pensamento para eles", desabafou a ativista. Ela comenta que as mulheres, quando chegam à política, são tratadas como intrusas, mas a força do poder de quem governa pode realmente acelerar o processo histórico em favor da mulher.

“É um feminismo que nos articula e é muito fácil nessa hora dizer – para aqueles que nos ofendem e nos tratam como inimigas – que, sim, o feminismo é o contrário do machismo, porque o machismo é o método do patriarcado", defendeu Tiburi. Ela definiu o machismo como a tecnologia política de humilhação das mulheres, porém, quando elas se unem, a energia pode ser transformada em “alegria política”. 

A reitora Sandra Regina Goulart Almeida defendeu que as mulheres somem forças nos parlamentos. “Isso é imprescindível não só em termos de visibilidade, mas em termos de garantia de direitos", disse a reitora que se declarou feminista “com muito orgulho”. “É muito importante se dizer feminista no nosso país”, afirmou a reitora, que lembrou o seu trabalho na academia com mulheres escritoras e crítica literária.

Público que acompanhou a mesa de encerramento no auditório da Reitoria
Público que acompanhou a mesa de encerramento no auditório da Reitoria Foto: Acervo Nepem UFMG

 

'Quem vai cuidar de mim?' 

Em sua participação na mesa de encerramento da Semana Feminista da Fafich, a reitora citou exemplos de opressões sofridas pelas mulheres no cotidiano, como interrupções, descredibilização e apropriação de suas ideias por homens em reuniões. Ela falou ainda da expectativa social de que mulheres assumam funções de cuidado, como secretariar, servir café e cuidar da família e citou um episódio em que teve de responder com firmeza a uma pessoa que pedia a ela para cuidar de um reitor. “Na terceira vez, eu falei: 'Quem vai cuidar de mim?' Essa é uma questão muito séria, e acho que todas nós passamos por isso”, afirmou.

A questão resume a cobrança desproporcional enfrentada pelas mulheres que reforça a necessidade de transformação social. Sandra Goulart disse que é preciso romper com a divisão sexual do trabalho e ensinar às novas gerações que o cuidado deve ser responsabilidade de todos, não apenas das mulheres: “É o lugar imaginário que a mulher ocupa, aquele situado no degrau inferior e que vai ajudar a apoiar, cuidar do que está acontecendo".

A dirigente condenou estereótipos e fez uma crítica à misoginia estrutural existente em espaços de poder. Mulheres em posições de autoridade são frequentemente tachadas de "agressivas" quando se impõem, enquanto homens exercendo a mesmo papel e com a mesma postura são vistos como normais. “Que a gente não seja colocada em caixinhas, rotuladas e obrigadas a seguir uma ética do cuidado que não precisa ser, que não deve ser só nossa, que deve ser do ser humano. Toda pessoa deve aprender a cuidar do outro. Isso não pode ser responsabilidade apenas das mulheres", refletiu a reitora.

Sandra Goulart encerrou sua participação na Semana Feminista com a leitura do poema A noite não adormece nos olhos das mulheres, de Conceição Evaristo, prima da ministra Macaé Evaristo. Ela aproveitou para anunciar que, em 29 de setembro, a escritora receberá o título de Doutora Honoris Causa da UFMG, em sessão especial do Conselho Universitário. 

A mesa de encerramento do evento foi transmitida pelo canal do Nepem no YouTube, onde permanece gravada.

Mulheres em lutas na UFMG

O movimento que reúne mulheres brasileiras no enfrentamento ao racismo, ao machismo, à lesbofobia e à transfobia realizará seu próximo encontro em Belo Horizonte. Durante o encerramento da Semana Feminista, a coordenadora do Nepem, Marlise Matos, anunciou que, em entendimento com a reitora Sandra Goulart, a UFMG vai sediar o Mulheres em Lutas (Mel). O encontro ocorrerá no segundo semestre, em data a ser definida. 

A primeira reunião do Mel foi em abril deste ano na sede da Nave Coletiva, em São Paulo, e dela participaram centenas de mulheres de todo o Brasil. Segundo Marlise Matos, a ideia é seguir o mesmo formato da Semana Feminista da Fafich, estruturada em oito mesas, duas conferências, mostra de cinema e feira com mulheres que expuseram seus produtos para geração de renda. "Foi só um gostinho do que virá quando a gente realizar o Mulheres em Lutas", disse a professora e coordenadora do Nepem. 

Lorena Álvares Campos