Mulheres indígenas podem 'reflorestar o pensamento', afirma Célia Xakriabá
Primeira doutora indígena pela UFMG é a convidada do episódio de estreia da nova série do ‘Aqui tem ciência’ dedicada a mulheres pesquisadoras

“É como se fosse um ‘movimento flecha’: só chega mais adiante quem tem sabedoria de voltar um pouco à fonte do conhecimento da ciência ancestral.” É assim que Célia Xakriabá, primeira mulher indígena a se tornar doutora pela UFMG, explica o significado do título de sua tese, Ancestraliterra: sabedoria indígena na política e na universidade, defendida, em 2024, no Programa de Pós-graduação em Antropologia.
Célia cumpre seu primeiro mandato como deputada federal pelo PSOL e é representante da chamada Bancada do Cocar, e sua trajetória como pesquisadora é menos conhecida. Em 2013, graduou-se na Formação Intercultural para Educadores Indígenas (Fiei) da UFMG e em 2018 concluiu o mestrado em Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Brasília (UnB).
No novo episódio do Aqui tem ciência, da Rádio UFMG Educativa – o primeiro de uma série dedicada a mulheres pesquisadoras, que também abordam questões de gênero em seus trabalhos –, Célia fala sobre o papel das indígenas, que ela chama de "mulheres-semente", como defensoras do clima e do planeta, além de protagonistas do processo de “reflorestar o pensamento”.
“Nós temos o projeto de reflorestar mentes e corações para a cura da terra. Só reflorestaremos do lado de fora se reflorestarmos também o pensar a universidade, a ciência, se reflorestarmos a política, a economia, a arte, as telas, o imaginário da sociedade brasileira”, defende.
‘Mulheritura’ e escrevivência’
Assim como no título, a tese apresenta diversos neologismos, que resultam do que a autora chama de “conscientização semântica”: a ideia de que as palavras devem ser criadas de acordo com a evolução da sociedade. “Eu falo de ‘mulheritura’, ‘mulheração’, porque para enfrentar os projetos de destruição, de mineração, somente muita 'mulheração'”, justifica. “Não há processo de luta que não gere conhecimento. Antes de escrever meu livro na literatura, o que nós fazemos e escrevemos é ‘lutalitura’”, prossegue.
“Perguntam para mim onde está a intelectualidade da mulher indígena. Será que eles pensam que está em um lugar diferente, não na cabeça?”, questiona. “Realmente está em muitos lugares, não em um único lugar. O conhecimento está no nosso corpo, olhar, no nosso ouvir, na nossa voz, na não voz.”
Ao desenvolver a pesquisa, uma das premissas foi valorizar o conhecimento indígena e de outras mulheres no referencial teórico. Entre elas, a escritora Conceição Evaristo, uma das integrantes da banca de avaliação da tese, autora do conceito de “escrevivência”: "É aquilo que a gente vive a partir das nossas trajetórias, dos nossos conhecimentos, que são coletivos, não somente uma teoria”, explica Célia.
Ouça a conversa de Célia Xakriabá com Alessandra Ribeiro e Júlia Rhaine, da equipe do Aqui tem ciência:
Assista à defesa da tese:
Raio-x da pesquisa
Título: Ancestraliterra: sabedoria indígena na política e na universidade
Autora: Célia Nunes Correa (Célia Xakriabá)
O que é: tese de doutorado que propõe a integração entre os conhecimentos indígenas e acadêmicos, valorizando o saber das “mulheres-semente”, tão fundamental para a ciência quanto o conhecimento produzido nas universidades.
Programa de pós-graduação: Antropologia
Orientadora: Ana Flávia Moreira Santos
Ano da defesa: 2024
O episódio 193 do Aqui tem ciência tem produção de Júlia Rhaine, roteiro e apresentação de Alessandra Ribeiro e trabalhos técnicos de Breno Rodrigues e Cláudio Zazá. O programa é uma pílula radiofônica sobre estudos realizados na UFMG e abrange todas as áreas do conhecimento. A cada semana, a equipe apresenta os resultados de uma pesquisa desenvolvida na Universidade.
O Aqui tem ciência vai ao ar na frequência 104,5 FM e na página da emissora, às segundas, às 11h, com reprises às sextas, às 20h, e pode ser ouvido também em plataformas de áudio como Spotify e Amazon Music.