Novo método identifica substâncias psicoativas de forma rápida e barata
Grupo da Química atua em parceria com as polícias Federal e Civil; UFMG depositou pedido de patente para processo que foca nas NBOHs, da classe das feniletilaminas
![Acervo da pesquisa ...](https://ufmg.br/thumbor/GGdGtc0Cf4PNdcQSBa0Zhqo7zwE=/0x85:1163x862/712x474/https://ufmg.br/storage/9/9/f/2/99f245ff99d2da7a64b76bda8f513ddb_16065015362565_1404106340.jpg)
Dez novas drogas sintéticas ilegais surgem a cada semana, no mundo. O objetivo do tráfico de entorpecentes, ao imprimir ritmo frenético à elaboração de novas substâncias psicoativas, é burlar a lei, contando com a demora das autoridades em identificar essas drogas e atualizar a legislação que proíbe seu comércio e seu uso. Essa situação exige também que as forças policiais estejam preparadas para testar as substâncias de forma ágil e provar crimes relacionados a elas.
Uma invenção de pesquisadores do Departamento de Química da UFMG vai contribuir para o trabalho da Polícia Federal e das Polícias Civis, no Brasil. Eles desenvolveram um método que identifica e quantifica rapidamente e a custo muito baixo as NBOHs, substâncias da classe das feniletilaminas, alucinógenos que são comercializados na forma de selos, como o LSD, mas têm maior potencial de levar o usuário à morte. A grande vantagem desse método é que ele pode ser usado por policiais em campo, no momento da apreensão da droga, o que possibilita caracterizar o flagrante e deter imediatamente os suspeitos. O pedido de patente já foi depositado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) pela Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica da UFMG (CTIT).
![Foca Lisboa | UFMG Clésia Nascentes: valor judicial para o flagrante](https://ufmg.br/thumbor/JaMITlEkypTtn5CyXCkgMW9fnCk=/347x0:739x603/352x540/https://ufmg.br/storage/3/7/5/7/37576e3dd9444be96561cd0497b0502b_16066819069932_344346032.jpg)
“Como não existiam métodos colorimétricos para essa classe de substâncias, a identificação das NBOHs depende ainda de análise instrumental, em procedimentos sofisticados, caros e muito mais demorados. Laboratórios e equipamentos com essa finalidade existem, em geral, apenas nas capitais, e o novo método vai dar mais eficácia ao trabalho de policiais em regiões com menor infraestrutura”, explica a professora Clésia Cristina Nascentes, uma das coordenadoras dos estudos, ao lado do professor Ângelo de Fátima. Ela acrescenta que o processo, de caráter presuntivo, é válido judicialmente para o flagrante, mas deve ser combinado à análise por meio de técnicas instrumentais para confirmação e produção de prova definitiva, segundo normas internacionais.
Roxo, em 30 minutos
O processo é simples e utiliza, como solvente, metanol ou etanol. O procedimento consiste em extrair a substância investigada do selo com o solvente, agitar e depositar algumas gotas da solução resultante numa placa. Adiciona-se então o reagente colorimétrico, e, se após 30 minutos, a mistura apresentar a cor roxa, está feita a confirmação preliminar da presença de uma NBOH. Segundo os pesquisadores, o custo estimado de cada teste é de 20 centavos de real.
![Acervo pessoal Ângelo de Fátima:](https://ufmg.br/thumbor/zz099gaigGsbZCHP4TBLRjYeMo4=/29x0:286x395/352x540/https://ufmg.br/storage/9/4/3/3/9433117fb5128fec03bff1e35f5dbcee_16065018089695_562729848.jpeg)
De acordo com os pesquisadores, as NBOHs são uma variação das NBOMes, resultado da retirada da metila. Essas últimas foram incluídas na lista de substâncias proscritas pela Anvisa em 2014; as NBOHs, em 2018.
As NBOHs têm alta atividade serotoninérgica, ou seja, são estimulantes e alucinógenas, e surgiram recentemente como alternativa legal às drogas recreativas já proscritas pelos órgãos responsáveis, como a dietilamida do ácido lisérgico (LSD) e as NBOMes. Isso é preocupante, informam os pesquisadores, já que os efeitos farmacológicos e a toxicidade dessas substâncias são muito pouco conhecidos. “Essa classe de substâncias pode ser caracterizada incorretamente por meio de cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa (CG-EM), devido a processos de degradação nas amostras, o que pode prejudicar a credibilidade dos relatórios de análise”, informa Ângelo de Fátima.
O objetivo, em curto ou médio prazo, é agregar ao processo um aplicativo para smartphone capaz de submeter a cor resultante à comparação em um banco de dados de referência. Os professores da UFMG lembram que a noção de cor tem algo de pessoal, e esse dispositivo eliminaria o caráter de subjetividade da avaliação das amostras em campo e nas delegacias.
Contribuição de graduando
A pesquisa que resultou no processo de identificação rápida das feniletilaminas teve participação ainda de Marcelo Queiroz, então integrante de programa de Iniciação Científica – e que recém-ingressou no Programa de Pós-graduação em Química –, Leonardo Silva Neto, pós-doutorando, e Wellington Alves de Barros, aluno de mestrado. Os dois primeiros têm seus nomes incluídos no pedido de patente – Wellington não chegou a participar da parte final dos estudos, que conduziu ao teste colorimétrico.
![Acervo pessoal Marcelo Queiroz: ideia do estudante deu origem ao estudo](https://ufmg.br/thumbor/9OwVZ8dOPzfcOHJn96Cq4YRZTjs=/280x0:2042x2704/352x540/https://ufmg.br/storage/d/f/b/e/dfbe6b52913775b72c6721c531370551_16065019168196_1375558200.jpg)
Clésia Nascentes e Ângelo de Fátima ressaltam que o novo método foi elaborado com contribuição fundamental de Marcelo Queiroz. “Testamos muitos reagentes, mas não quaisquer moléculas, isso não é aleatório. A escolha dos reagentes colorimétricos para os experimentos foi baseada no conhecimento de química orgânica, das reações e dos mecanismos que as regem. É, portanto, uma estratégia fortemente apoiada na ciência básica”, Ângelo enfatiza.
Ciências forenses
Desde 2008, Clésia Nascentes pesquisa temas relacionados à área forense, em colaboração com a Polícia Civil de Minas Gerais. Em 2014, um edital da Capes passou a apoiar pesquisas nas ciências forenses, e um dos objetivos era alocar recursos para o esforço de combate às novas drogas sintéticas, sobretudo por meio da elaboração de testes rápidos. “Outro importante marco foi a criação, em 2017, da Rede Mineira de Ciências Forenses, que é financiada pela Fapemig e possibilita estudos em áreas como química, genética e computação – sempre aplicadas às necessidades de investigação policial”, conta a professora, que coordena a Rede.
A iniciativa formaliza a colaboração entre o meio acadêmico e as polícias, salienta o perito criminal Washington Xavier, vinculado à Polícia Civil de Minas. “Temos muitas dificuldades relacionadas ao exame preliminar das NBOMes e das NBOHs, e o método inventado na UFMG será de grande valia para a identificação segura dessas últimas”, diz o perito. “A Rede Mineira vai nos ajudar a acompanhar mais de perto a evolução das drogas psicoativas sintéticas, do ponto de vista da investigação e da criminalização dos traficantes.” A Rede é formada pelas Polícias Federal e Civil de Minas Gerais, pela UFMG e pelas universidades federais de Uberlândia, de Viçosa, de São João del-Rei, Lavras e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Washington Xavier é subcoordenador da Rede.
O grupo da UFMG considera a possibilidade de a indústria se interessar pela produção de kits para a aplicação do processo de identificação e quantificação rápida das NBOHs, visando aos mercados nacional e global.