Pandemia desafia escolas a fortalecer vínculos dos processos de ensino-aprendizagem
Formação de professores no contexto do ‘novo normal’ permeia discussões no seminário de abertura dos programas de Iniciação à Docência e Residência Pedagógica
Em meio à pandemia e com as aulas presenciais ainda suspensas em razão do risco de contaminação por covid-19, licenciandos e licenciandas de 14 cursos de formação de professores da UFMG começaram nesta segunda-feira, 26, as atividades do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) e do projeto Residência Pedagógica. Na palestra de abertura do seminário, realizada na noite de ontem, duas questões se impuseram: Quais são os desafios para a formação de professores e professoras em meio a um tempo suspenso? Como lidar com a educação em um contexto de "novo normal"?
Em um auditório virtual repleto de futuros professores, o palestrante convidado, professor Helder Eterno da Silveira, pró-reitor de Extensão da Universidade Federal de Uberlândia, cravou: “Apenas a presencialidade está suspensa. O trabalho continua, em alguns casos, redobrado. Não há nada de novo trazido pela pandemia na educação. A discussão sobre tecnologias na educação nada tem de nova. A discussão sobre novas metodologias também não. O que a pandemia fez foi acusar um 'normal' que não deveria ser admitido. Ele salientou que as escolas públicas estão fragilizadas por baixos investimentos, que há débeis condições objetivas de trabalho e que, com baixos salários, é quase impossível manter o interesse de profissionais. Nada disso é novo”, afirmou.
A fala provocativa ocorreu durante o seminário de abertura dos dois programas, que integram a Política Nacional de Formação de Professores do MEC, vinculados à Capes, e criados para possibilitar aos estudantes de licenciatura o contato com a prática em sala de aula. No entanto, em 2020, os alunos da UFMG iniciam as atividades já no fim do ano civil, em razão da pandemia. A interrupção das atividades e os dilemas provocados por essa suspensão motivaram as discussões e justificaram os esforços para que os programas que aproximam os cursos de formação de professores das demandas da educação básica fossem mantidos mesmo diante das condições de excepcionalidade.
"Neste momento, em que temos enfrentado tantos desafios – com a necessidade de medidas de distanciamento social para preservação da vida –, encontrar caminhos para mantermos a formação dos professores com qualidade e esse vínculo com as escolas da educação básica tornou-se ainda mais importante. A situação instalada pela pandemia, que acentuou desigualdades já existentes, tem mostrado o quanto é importante o papel da escola, dos professores e das professoras, do vínculo nos processos de ensino-aprendizagem. Ao mesmo tempo, nos coloca diante desse desafio de pensar o trabalho docente e, consequentemente, a formação docente, em um novo contexto”, explicou a pró-reitora de graduação, professora Benigna Maria de Oliveira.
Universidade e educação básica
Na UFMG, os programas Pibid e Residência Pedagógica são organizados no âmbito da Comissão para Discussão e Elaboração das Políticas de Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica (Comfic), resultado de articulação das pró-reitorias de Graduação (Prograd) e Extensão (Proex). A pró-reitora de graduação, Benigna Maria de Oliveira, destacou que a articulação que possibilitou a realização dos programas mesmo durante o período pandêmico é coerente com o próprio Plano de Desenvolvimento Institucional da UFMG 2018-2023, que estabelece entre os seus princípios a integração da formação inicial e continuada de professores, com envolvimento das dimensões do ensino, da extensão e da pesquisa.
A pró-reitora de Extensão, Claudia Mayorga, também presente à cerimônia de abertura dos programas, lembrou que a UFMG abraçou a agenda da educação básica como prioritária em sua política institucional – e a formação de docentes é um carro-chefe dessas ações. “Desenvolvemos um conjunto de outras ações na UFMG que dialogam com a educação básica no âmbito da saúde, da cultura, no contato direto com estudantes. Todas têm impacto na educação básica de nossa cidade e de nosso Estado”, destacou.
Helder da Silveira destacou a importância de os programas Pibid e Residência serem institucionalizados nas universidades para que possam tanto responder de maneira mais efetiva às necessidades das redes de educação básica quanto provocar mudanças nos próprios currículos de graduação, o que resultaria na formação de professores mais sintonizados com as transformações sociais. “Programas como o Pibid e o Residência Pedagógica atuam como defesa de um campo profissional altamente qualificado, numa dinâmica de ensino-aprendizagem antenada com as mudanças do tempo”, completou.
Desafios da formação em serviço
O Residência Pedagógica é destinado a estudantes em processo de finalização da licenciatura, que frequentam o estágio supervisionado curricular. Nessa fase, devem desenvolver atividades didático-pedagógicas acompanhados de um professor preceptor, fazendo uma reflexão sobre os encontros entre a formação inicial oferecida durante a graduação e a formação continuada durante a prática profissional. Neste ano, o programa reúne 216 bolsistas.
“O evento é um convite a que façamos uma reflexão sobre como, nesse tempo de suspensão, somos desafiados a repensar nossas práticas cotidianas, apontando para mudanças possíveis e necessárias sem abrir mão dos princípios e eixos que sempre foram muito caros ao processo de escolarização e formação de estudantes”, analisa o coordenador do programa Residência Pedagógica, Admir Soares de Almeida Junior.
Para a coordenadora do Pibid, Vanessa Eleutério, "o contexto pandêmico acrescenta novos desafios para a ação educacional, e a busca por soluções pedagógicas desafia todos os professores – formadores, em formação ou da educação básica –, e nós precisamos discutir a realidade do nosso trabalho e a possibilidade ou impossibilidade do trabalho docente". O atual contexto representa, segundo Vanessa, um novo desafio para a educação. e “é necessário compartilhar expertises, dificuldades e ideias para buscar uma educação minimamente possível nesse contexto".
No auditório virtual, as perguntas orbitaram justamente em torno da superação desses desafios. E, ao ser indagado sobre quais dos desafios considerava mais urgente no cenário atual, Helder da Silveira indicou que a principal delas não deve ser o nível de aprendizado. “Conteúdo é uma preocupação, sim, mas não deve ser o centro das preocupações. Se precisamos definir um desafio como o principal, sem dúvida é o da motivação. Como contagiar crianças, pessoas, como fazê-las continuar apostando na educação se, neste momento, experimentam um empobrecimento da sua qualidade de vida, restrições diversas, desemprego, mortes de pessoas próximas? Essa deve ser a preocupação, e partilhar experiências, manter fóruns para o diálogo, como este aqui, é, sem dúvida, importante", defendeu.
Um portal para a educação básica
Presidente da Comfic, a professora Nilma Soares da Silva relembrou a história de defesa do programa Pibid, uma das poucas ações longevas de apoio e incentivo à formação de professores, e a importância da criação do programa Residência Pedagógica. E apresentou uma das ferramentas criadas para valorizar as ações bem-sucedidas de formação inicial dos professores na UFMG e ações de formação continuada: o desenvolvimento do site da Comfic, configurado como um portal da educação básica “que possa congregar e tornar públicas as boas experiências de formação de professores, permitindo as trocas e valorizando as iniciativas".
Coordenadora da Comfic à época que o site foi idealizado, a professora Maria Isabel Antunes Rocha afirma que a perspectiva é a de que o portal possibilite "ir muito além da simples transmissão de informações, pois promoverá um diálogo democrático com os sujeitos e atores da comunidade educacional e com a população de forma geral, fortalecendo, assim, o diálogo entre a UFMG e a sociedade".
Experiências no ensino remoto
As discussões prosseguem nesta terça-feira, dia 27, a partir das 17h, com a mesa-redonda Experiências de ensino remoto na escola pública: interação entre professor, alunos e conhecimento, com as professoras Analise de Jesus da Silva, do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da FaE, Ana Cláudia Figueiredo, da Secretaria Municipal de Educação, e Juliana Batista Faria, do Núcleo de Matemática do Centro Pedagógico da UFMG. Elas vão relatar suas experiências como docentes da educação básica no contexto do ensino remoto. O seminário está sendo transmitido pelo canal da Faculdade de Educação (FaE) no YouTube, onde está disponível o vídeo da atividade de abertura.