Pesquisa avalia impacto dos puxadores de votos após mudança na legislação eleitoral
Tema do novo episódio do 'Aqui tem ciência', trabalho reuniu dados do TSE para verificar se a Lei nº 13.165, de 2015, teve efeitos nas eleições de 2018
“Vote Tiririca, pior que tá não fica”: este foi um dos motes da campanha para deputado federal de Francisco Everardo Tiririca Oliveira Silva, humorista conhecido como Tiririca, em 2010. O candidato conseguiu se eleger com mais de 1 milhão de votos no estado de São Paulo, até então a segunda maior votação para a Câmara dos Deputados. Tiririca tornou-se um puxador de votos, já que a coligação da qual ele fazia parte ganhou quatro vagas na Câmara dos Deputados graças ao seu desempenho.
Candidatos como Tiririca poderiam, inclusive, eleger pessoas que tiveram baixo número de votos, em razão do cálculo de quociente partidário. Para evitar situações assim, foi criada a cláusula de barreira, com a Lei nº 13.165 de 2015, segundo a qual um candidato precisa atingir uma quantidade de votos equivalente a 10% do quociente eleitoral para ser eleito.
O autor da pesquisa que é tema do episódio 116 do Aqui tem ciência, Gabriel Amaral Rocha Ferreira, hoje doutorando na UFMG, analisou em sua dissertação de mestrado se essa mudança legislativa foi realmente efetiva na diminuição do impacto dos puxadores de votos. Tiririca não foi a única figura política a causar esse efeito. Enéas Carneiro, em 2002, Celso Russomanno, em 2014, e Janaína Paschoal, em 2018, também receberam mais de 1 milhão de votos.
No sistema eleitoral proporcional brasileiro, os votos recebidos pelos candidatos são contabilizados para o partido ou para a coligação e usados para calcular o quociente partidário, ou seja, quantos candidatos do partido ou coligação serão eleitos. O índice é o resultado da divisão do total de votos recebidos pelos candidatos do partido ou da coligação pelo valor do quociente eleitoral (número de votos válidos para um cargo legislativo em um estado dividido pela quantidade de vagas na respectiva casa legislativa). Isso significa que, se um candidato tem o dobro ou o triplo de votos do quociente eleitoral, seu partido ganha respectivamente duas ou três vagas na Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa ou Câmara de Vereadores. Nas eleições de 2010, por exemplo, São Paulo tinha direito a 70 vagas na Câmara dos Deputados, e houve 21.317.310 votos válidos. Logo, o quociente eleitoral foi de 304.533. Como Tiririca conseguiu mais que o quádruplo desse número, ele adicionou mais quatro vagas ao quociente partidário da sua coligação.
O objetivo da cláusula de barreira era extinguir, ou pelo menos reduzir, o impacto dos puxadores de votos no processo eleitoral. Para entender se o dispositivo legal alcançou esse resultado, Amaral recorreu ao site do TSE para reunir dados sobre os resultados das eleições para deputados federais e estaduais em 2018. Ele concluiu que a reforma política não foi capaz de afetar significativamente o impacto do puxador de votos e foi até maior nas eleições daquele ano. Eduardo Bolsonaro e Janaína Paschoal receberam, respectivamente, 1.843.735 e 2.060.786 votos. A votação de Janaína Paschoal para a Assembleia Legislativa de São Paulo foi suficiente para puxar oito colegas de partido, um recorde histórico.
O pesquisador pondera que, nas eleições de 2022, os puxadores de votos deverão ser novamente candidatos importantes, tendo em vista o modo como as plataformas de redes sociais digitais podem ajudar a conferir proeminência a figuras midiáticas, o que se converteria em votos nas urnas.
A dissertação foi defendida no Programa de Pós-graduação em Direito da UFMG, em 17 de dezembro de 2020, sob orientação do professor Adamo Dias Alves.
Raio-x da pesquisa
Título: A introdução da cláusula de barreira no sistema proporcional brasileiro: análise do contexto e dos impactos da alteração legislativa
O que é: Dissertação de mestrado que utilizou dados das eleições de 2018 para avaliar se a criação da cláusula de barreira, estabelecida pela Lei nº 13.165 de 2015, diminuiu o impacto causado pelo chamado puxador de votos. A conclusão é que esse fenômeno foi pouco afetado pela legislação recém-criada e até mais intenso nas eleições legislativas de 2018.
Nome do pesquisador: Gabriel Amaral Rocha Ferreira
Ano da defesa: 2020
Programa de Pós-graduação: Direito
Orientador: Adamo Dias Alves
Produção
O episódio 116 do Aqui tem ciência tem produção e apresentação de Joabe Andrade e edição de Alessandra Ribeiro. Os trabalhos técnicos são de Breno Rodrigues.
O programa é uma pílula radiofônica sobre estudos da UFMG e abrange todas as áreas do conhecimento. A cada semana, a equipe da Rádio UFMG Educativa apresenta os resultados de um trabalho de pesquisa realizado na Universidade.
O Aqui tem ciência fica disponível em aplicativos de podcast como o Spotify e vai ao ar na frequência 104,5 FM e no site da Rádio UFMG Educativa às segundas, às 11h, com reprises às quartas, às 14h30, e às sextas, às 20h.