Pesquisa identifica bebês nascidos com anticorpos para covid-19
Teste do pezinho é utilizado por equipe da UFMG para avaliar exposição ao Sars-CoV-2 durante a gestação
Resultados preliminares de pesquisa inédita da Faculdade de Medicina da UFMG mostram que a maioria das mães que foram infectadas pelo Sars-CoV-2 durante a gestação podem passar anticorpos para seus bebês por meio da transferência placentária. O estudo utiliza o teste do pezinho e a testagem das mães para identificar a infecção e vai acompanhar repercussões no desenvolvimento dos recém-nascidos soropositivos.
Até agora foram testadas mais de 500 mães e bebês. Foram identificados mais de 70 casos de transferência de anticorpos IgG da mãe para o filho nos cinco municípios participantes da pesquisa. O objetivo é chegar a quatro mil mulheres testadas. Os casos positivos serão acompanhados por dois anos, período em que se observará se a infecção durante a gestação teve consequências para o desenvolvimento das crianças. Um grupo de controle, de mães e bebês com resultados negativos, também será acompanhado. Outro objetivo é avaliar a duração da imunidade adquirida pelo feto durante a gestação.
A iniciativa é do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), da UFMG, em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e a Secretaria de Saúde de Minas Gerais, que fez a demanda para apoio ao planejamento em saúde pública. Participam da investigação as cidades mineiras de Uberlândia, Contagem, Itabirito, Ipatinga e Nova Lima. Os critérios para a escolha dos municípios foram taxa de prevalência de covid-19, número de nascimentos por mês e existência de rede capacitada para o caso de ser necessário suporte à reabilitação das crianças com alterações nos testes de neurodesenvolvimento.
Além de auxiliar na definição dos cuidados apropriados aos recém-nascidos, os resultados do estudo podem conter respostas sobre uma futura vacinação de bebês. “A confirmação da passagem de anticorpos da mãe para o bebê durante a gravidez pode ajudar a planejar o momento ideal para vacinação dos bebês contra a covid-19. Já se sabe, por exemplo, que os anticorpos maternos reduzem a eficácia da vacina contra o sarampo, e por isso ela é feita mais tardiamente”, explica a professora Cláudia Lindgren, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG.
Chamou a atenção dos pesquisadores a proporção de casos em que mães não tiveram sintomas da doença e, ainda assim, passaram anticorpos para os fetos. Na pesquisa em Minas Gerais, o índice foi de 40%. “Outros estudos já mostraram a presença de anticorpos no bebê, mas a maioria deles investigou a transferência de anticorpos após as manifestações da covid-19 na mãe. Em nosso trabalho, estamos testando todas as mães e bebês, independentemente de elas terem apresentado ou não qualquer sintoma da doença durante a gravidez, porque sabemos que cerca de 80% das infecções são assintomáticas”, explica a professora, lembrando que vírus como o da zika, o da rubéola e o HIV permanecem “ocultos” no organismo por bastante tempo. “Nossa hipótese é a de que, à semelhança de outras infecções virais durante a gravidez, o Sars-CoV-2 pode trazer repercussão futura”, afirma Cláudia Lindgren. Nenhuma das mães participantes do estudo havia sido vacinada para covid-19.
Convite na hora do teste
A pesquisa utiliza a rede de coleta da triagem neonatal, conhecida popularmente como teste do pezinho, realizada em Minas Gerais pelo Nupad, órgão vinculado à Faculdade de Medicina da UFMG. A mesma gota de sangue coletada para a triagem neonatal é utilizada no estudo – dessa forma, os bebês não passam por procedimento diferente do habitual. A novidade é a testagem das mães, via punção digital, como no exame de glicose, por exemplo. Elas são convidadas a participar do estudo nos postos de saúde, no momento do teste do pezinho de seus filhos.
A rede de transporte das amostras existe desde os anos 90, quando o Nupad começou seu trabalho na triagem neonatal. A técnica de testagem de anticorpos para covid-19 no papel-filtro do teste do pezinho (chamada de dosagem em sangue seco) foi validada por estudo prévio. “A amostra é enviada pelo correio e, quando chega ao Nupad, nós fazemos a reconstituição, transformamos o sangue seco em líquido. O fato de haver uma rede funcional que colhe exames de recém-nascidos no estado inteiro facilita a pesquisa para outras doenças, como covid-19”, destaca o professor José Nélio Januário, diretor do Núcleo.
A coleta de sangue até uma semana após o parto gera a convicção de que a imunidade observada foi adquirida durante a gestação, já que o IgG demora pelo menos 15 dias após a infecção para testar positivo.
A literatura internacional sobre covid-19 na gestação já identificou uma série de repercussões para as gestantes, como maior risco de cesáreas, parto prematuro, criança natimorta, pré-eclâmpsia, síndrome HELLP (hemólise, enzimas hepáticas elevadas, baixa contagem de plaquetas, na sigla em inglês), infarto, tromboembolismo pulmonar, internação em CTI, uso de ventilação mecânica e terapia dialítica.
Segundo os pesquisadores, o caráter de ineditismo do projeto está no tempo de acompanhamento e na avaliação do desfecho para a saúde das crianças. A professora Cláudia Lindgren explica que doenças adquiridas na gestação podem não gerar sintomas imediatos e agudos: “A experiência da infecção pelo Sars-CoV-2 nos adultos mostra uma grande afinidade do vírus com o sistema nervoso central e provoca a preocupação de que ele também possa afetar o feto. Mesmo que o bebê tenha nascido bem, sem sintomas da doença, o comprometimento do desenvolvimento pode surgir mais tarde, por exemplo, quando a criança começar a falar ou andar. Ainda não temos estudos sobre esse aspecto”, afirma.