Pesquisa e Inovação

Pesquisa desenvolvida na UFMG conduz a tecnologia inédita para combate à dengue e outras doenças

Repelente espacial aplicado em tecidos e outros materiais protege por até quatro meses e chegará em breve ao mercado por meio de startup que tem como sócio-fundador o professor Álvaro Eiras, do ICB

Calcados têm a parte em sisal impregnada com o repelente
Calcados têm a parte em sisal impregnada com o repelente Foto: divulgação | InnoVvec

Pesquisa realizada na UFMG culminou em tecnologia inédita que oferece proteção eficaz contra picadas de mosquitos e ajuda a prevenir e combater doenças como dengue, zika e chikungunya. O produto, que está prestes a chegar ao mercado, é um repelente espacial capaz de proteger várias pessoas e o ambiente por até quatro meses.

O Repeltex® está sendo levado ao mercado pela startup mineira InnoVec, fundada em 2023, fruto de parceria com a UFMG, que deu sequência aos estudos realizados, desde 2016, no Laboratório de Inovação Tecnológica e Empreendedorismo em Controle de Vetores (Lintec), lotado no Instituto de Ciências Biológicas (ICB), sob a liderança do professor e pesquisador Álvaro Eiras.

A inovação, inicialmente testada em revestimento de calçados com repelente, mostrou resultados superiores em testes realizados no Brasil e na Tanzânia, com proteção e ampla eficácia. "Nosso objetivo é proteger não apenas a pessoa, mas também o ambiente doméstico de forma contínua e segura, evitando picadas de mosquitos e, consequentemente, reduzindo o risco de transmissão de doenças", afirma Álvaro Eiras, que é sócio-fundador da InnoVec.

Diferentemente dos repelentes tópicos convencionais, que protegem apenas o indivíduo por poucas horas e exigem reaplicação frequente, a solução criada pela InnoVec oferece proteção espacial prolongada, por meio da impregnação em diversos tipos de tecidos com uma fórmula que libera automaticamente o princípio ativo repelente no ambiente por até quatro meses.

A startup surgiu como spin-off de um projeto de pesquisa desenvolvido na UFMG, em parceria com o Ifakara Health Institute da Tanzânia, financiado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e pela Grand Challenges do Canadá. O Repeltex® é móvel, não tem cheiro, não requer eletricidade e pode ser aplicado em diversos tecidos, que servem de matriz de liberação. Inicialmente focado em calçados repelentes, o projeto agora abre caminho para diversas outras aplicações, como uniformes, acessórios domésticos, móveis e itens de decoração.

Calçados e acessórios
Segundo dados do Painel de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde, foram registrados no Brasil mais de 6,5 milhões de casos prováveis de dengue em 2024, com prejuízo superior a R$ 28 bilhões, o que reforça a urgência por soluções inovadoras e eficientes no combate ao mosquito.

O professor Álvaro Eiras exibe mochila feita para espalhar o repelente
O professor Álvaro Eiras exibe mochila feita para espalhar o repelente Foto: divulgação | InnoVec

De acordo com Álvaro Eiras, que se dedica há décadas ao estudo dos mosquitos vetores de arboviroses, as partes do corpo mais atingidas por picadas são as pernas e os pés. “As pessoas utilizam calçados durante o dia e, à noite, geralmente os deixam ao lado da cama para dormir”, ressalta o pesquisador. Com isso em mente, surgiu a ideia de desenvolver um tecido que pudesse ser utilizado na fabricação de calçados.

O projeto para o desenvolvimento do tecido repelente foi realizado entre 2016 e 2019, na UFMG. Inicialmente, foram conduzidos exaustivos experimentos de laboratório e de semicampo (situados entre a pesquisa em laboratório e aquela em campo aberto) para avaliar o princípio ativo como repelente e seu efeito na biologia e comportamento dos mosquitos. Posteriormente, foi selecionado material para impregnar o ingrediente ativo e para produção do protótipo em calçados. A matéria-prima escolhida foi um tecido à base de sisal, planta de fibra rígida, de baixo custo e fácil de encontrar no mercado. O sisal absorve o produto e o libera de forma controlada. O repelente é atóxico nas concentrações utilizadas.

Prova de conceito
Após 24 meses de testes na pesquisa na UFMG, foram realizados experimentos de campo para avaliar dois protótipos de calçados repelentes, um masculino e outro feminino. Os voluntários avaliaram sua eficácia para rechaçar o mosquito Aedes aegypti – que transmite os vírus da dengue, da chikungunya e da zika – em Belo Horizonte e o Anopheles darlingi – transmissor da malária – em Porto Velho, capital de Rondônia. Dos 100 pares fabricados para cada uma das cidades, 50 foram tratados com repelente e 50 eram placebos (sem repelente). Os resultados demonstraram que os calçados apresentaram repelência de 74% para o Aedes aegypti e 84% para o Anopheles darlingi (malária), taxas superiores às estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Os voluntários atestaram a eficácia do produto e se disseram dispostos a comprar sapatos e acessórios impregnados. Depois do teste, mais de 80% dos participantes continuavam utilizando o produto e também passaram a usar o calçado em outros ambientes da residência, ampliando a proteção da família. “Ao visitar algumas casas, observamos que os voluntários haviam posto os calçados em cima da televisão ou de armários para ampliar a proteção", destaca Álvaro Eiras. Mas a validação do produto não terminou na prova de conceito. Em pesquisa feita em Belo Horizonte com mais de 2 mil pessoas, cerca de 95% dos entrevistados informaram que estavam dispostos a adquirir o produto no mercado.

Benefícios
Segundo o material de divulgação do Repeltex®, ele pode reduzir os gastos do consumidor com repelentes de mosquitos comprados em farmácias, pois não apenas aumenta a duração da proteção contra vetores de arboviroses como também favorece pessoas com sensibilidade ou alergia a outros repelentes. O refil pode ser aplicado periodicamente no calçado, renovando por mais quatro meses a capacidade de proteção do produto, que preserva também pessoas próximas em um raio de 6 metros do indivíduo que usa o calçado impregnado pelo produto.

A tecnologia da InnoVec dispensa energia elétrica ou reaplicação diária, o que representa avanço significativo em relação aos métodos convencionais, que protegem no máximo por 12 horas e requerem aplicações constantes.

Os repelentes tradicionais tópicos atuam somente na região do corpo em que é feita a aplicação, protegem apenas uma pessoa, têm custo elevado, gera odor e possui eficácia de apenas 12 horas. O produto que chega ao mercado, por sua vez, tem efeito de 2 a 6 metros de distância, protege o usuário e pessoas próximas, é uma tecnologia de baixo custo, não tem cheiro e oferece eficácia de quatro a seis meses.

Atividade em insetário do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, que abrigou as pesquisas
Atividade em insetário do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, que abrigou as pesquisas Foto: divulgação | UFMG

A startup
Sediada no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC), um dos principais polos de inovação e empreendedorismo do Brasil, a InnoVec foi fundada em 2023, a partir de pesquisas realizadas na UFMG em parceria com instituições internacionais. A startup tem como missão desenvolver soluções tecnológicas eficazes e acessíveis para o combate às arboviroses, contribuindo para a saúde pública e a melhoria da qualidade de vida.

O avanço nas pesquisas dentro da UFMG e o desenvolvimento da nova tecnologia foram viabilizados por recursos do Sebrae, do CNPq e da Fapemig. A empresa conta com parcerias com indústrias têxteis para a produção em escala semi-industrial e agora busca investidores para viabilizar a entrada do produto no mercado. Grandes empresas dos setores elétrico, de mineração e de saúde pública negociam a adoção da tecnologia em equipamentos de proteção individual.

Itamar Rigueira Jr., com assessoria de imprensa da InnoVec