Pesquisadores discutem história e atualidade das direitas na América Latina
Colóquio internacional, com início em 20 de agosto, vai abordar relações do pensamento conservador com diversos setores da sociedade
O cenário político na América Latina tem chamado a atenção, nos últimos anos, pela volta ao poder de partidos de direita, após cerca de uma década e meia de avanço da esquerda, em diversos países. Resultados eleitorais recentes na Argentina, no Chile e na Colômbia, somados a eventos como o impeachment de Dilma Rousseff no Brasil, reforçam o interesse de acadêmicos latino-americanos e europeus pelas identidades, práticas, ideias e discursos de figuras e grupos de direita na região.
Para debater o tema, dezenas de pesquisadores estarão reunidos na UFMG, de 20 a 22 de agosto, durante o 3º Colóquio Pensar as direitas na América Latina no século XX, tema da reportagem de capa da edição 2.027 do Boletim UFMG. Discussões e trabalhos vão tratar de aspectos como a relação das direitas com religiões, a participação de jovens e instituições educativas, políticas públicas, partidos e organizações sociais, vínculos com as Forças Armadas, implicações econômicas, ideologias e culturas políticas. Os primeiros eventos da série foram realizados na França (2014) e na Argentina (2016).
Um dos coordenadores do encontro, o professor Rodrigo Patto Sá Motta, do Departamento de História da UFMG, comenta que o mundo acadêmico, que sempre deu preferência à esquerda como tema de estudos, vem se interessando cada vez mais pelas direitas, especialmente nos campos da história e das ciências sociais. Segundo ele, os grupos que integram historicamente esse campo são bastante diferentes e representam variadas tradições políticas. “Se, por um lado, não se discute que o conservadorismo e o fascismo são caracteristicamente de direita, por outro, o liberalismo é foco de polêmicas”, diz Sá Motta. Outro ponto que gera questionamentos são os objetivos do ativismo de direita, que vão da defesa da propriedade à luta por valores morais e, frequentemente, religiosos, que seriam ameaçados pelas ações da esquerda.
O pesquisador da Fafich lembra que a direita reúne grupos com posições contrárias às políticas de distribuição de renda e de poder. “Ela é identificada também pelo esforço constante para barrar o caminho da esquerda, o que motiva conflitos políticos e eleitorais, intervenções autoritárias e políticas repressivas de diversas naturezas”, diz o professor, acrescentando que o ciclo de golpes militares das décadas de 60 e 70 do século passado, na América Latina, foi motivado, em grande parte, por impedir que a esquerda chegasse ao poder. “Essa militância antiesquerdista, de tonalidades mais ou menos violentas, foi justificativa para repressão, tortura e assassinatos. O argumento, em geral, foi a defesa da ordem social contra a esquerda revolucionária, um inimigo supostamente conectado a conspirações internacionais.”
O texto de apresentação do colóquio ressalta que “é fundamental levar em conta a complexidade que caracteriza os grupos de direita e pensar que as fronteiras desse campo podem ser móveis, sobretudo quando se leva em conta a historicidade do fenômeno e as mudanças provocadas pela ação do tempo”.
Controle do senso comum
Outro integrante da comissão que organiza o evento, o professor Ernesto Bohoslavsky, da Universidad Nacional General Sarmiento, da Argentina, destaca que, tendo em vista o forte giro político de países como o Peru, que em suas últimas eleições presidenciais levou ao segundo turno candidatos de partidos de direita e de extrema-direita, a programação do colóquio é norteada pela tentativa de compreender os processos por meio dos quais, historicamente, as direitas lograram “produzir e controlar o senso comum nos países mais importantes do Cone Sul”.
O texto que Bohoslavsky vai apresentar na UFMG, escrito com Magdalena Broquetas, da Universidad de la República, do Uruguai, trata dos congressos anticomunistas realizados a partir dos anos 50, em países como Guatemala, México, Brasil e Peru. “Investigamos que informações eram trocadas e que agências financiavam esses encontros, que provavelmente contavam com dinheiro norte-americano”, diz o pesquisador. “Descobrimos que redes anticomunistas atingiram âmbito transnacional, e não apenas no contexto das ditaduras inspiradas na doutrina de segurança nacional. Os congressos exerceram influência razoável sobre governos e, sobretudo, sobre as Forças Armadas.”
Na exposição com o título Bifurcações e convergências: as direitas argentinas e a democracia na pós-ditadura, o cientista político Sergio Morresi, das universidades de Buenos Aires e Nacional del Litoral, vai mostrar um modelo analítico sócio-histórico em que identifica cinco tipos de direita na Argentina, da reacionária à neoliberal. Morresi estuda o modo como a vertente neoliberal se tornou hegemônica a partir das décadas de 1980 e 90 e como essa nova hegemonia foi perdendo traços atávicos como o antiperonismo e a desconfiança extrema com relação a eleições. De acordo com o pesquisador, “essas mudanças foram fundamentais para que, no século 21, a direita se reunisse em um novo partido, Proposta Republicana ou PRO [a legenda do presidente Mauricio Macri], que se diz pós-ideológico e comprometido com o governo de muitos”. Ele adverte que, à medida que o PRO aprofunda a implantação do neoliberalismo, “produzem-se certas tensões com a democracia”.
Com base nas noções de pós-democracia e de pós-política aplicadas a diferentes contextos regionais e globais, Stéphanie Alenda, da Universidad Andrés Bello, propõe-se a mostrar a batalha pelas ideias no Chile atual, que se observa nas disputas eleitorais, mas também, segundo ela, no interior dos próprios partidos da coalização de governo, de centro-direita. “Pesquisa realizada no seio da coalizão Chile Vamos revela, por exemplo, que, entre os partidos, há diferenças importantes em temas transversais como a descriminalização do aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo e em um tema conjuntural como a necessidade de reformar a Constituição. Tento mostrar que a coalizão de governo deve ser sempre pensada tendo em vista esses focos de tensão entre mudança e permanência”, afirma a pesquisadora.
Influência de Vargas Llosa
Stéphane Boisard, da Université de Toulouse (França), que também integra o trio organizador dos encontros, salienta que, mesmo na Europa, o tema das direitas latino-americanas ganha amplitude, e a iniciativa dos colóquios tem cumprido a missão de constituir grupo de pesquisa internacional “capaz de produzir trabalhos por país e por época, mas também reflexões mais abrangentes”. A linha de pesquisa que ele desenvolve está centrada na influência exercida pelo escritor peruano Mario Vargas Llosa sobre uma rede de instituições liberais na região. Em Belo Horizonte, Boisard vai explicar como, por exemplo, o pensamento de Vargas Llosa, cuja leitura de mundo foi forjada durante a Guerra Fria, apoia-se na dicotomia amigo-inimigo. “Ele vê o mundo de forma binária: são os ‘amigos da liberdade’ contra os ‘defensores do totalitarismo’, diz Boisard.
Ben Cowan, da University of California, em San Diego (EUA), vai trazer a Belo Horizonte uma discussão sobre o papel dos conservadores católicos brasileiros na gestação de uma “sensibilidade antimoderna que ajudou a construir, eventualmente, uma nova direita transnacional”. O trabalho faz parte de pesquisa mais ampla, em que Cowan procura as colaborações entre brasileiros, norte-americanos e ativistas de outras nacionalidades na criação da configuração política atual. “A sigla BBB (bala, boi e Bíblia) [que denomina bancada conservadora no Congresso Nacional] descreve não apenas certa parcela da direita brasileira, mas também a direita de outros países”.
O Colóquio terá lugar no auditório A102 do CAD2, campus Pampulha. Mais informações sobre a programação estão na página do Facebook do Laboratório de História do Tempo Presente da UFMG, que é coorganizador do evento. As inscrições para ouvintes devem ser feitas por meio de preenchimento de formulário.