Pesquisas genéticas conduzidas pela UFMG na América do Sul desvendam origem de povo que habita a Amazônia peruana
Os quéchua-lamistas são indígenas que vivem na pequena cidade de Lamas e em vilarejos próximos, no Departamento de San Martín, na Amazônia peruana. Eles falam o quéchua, idioma andino muito diferente dos idiomas de seus vizinhos, tipicamente amazônicos. Para explicar sua misteriosa origem, há várias versões, embora predomine a tese de que eles descendem dos chankas, de Apurímac, povo guerreiro dos Andes que se teria fixado na Amazônia para não ser subjugado pelos incas.
Artigo recém-publicado na revista Annals of Human Genetics – que tem como autores, entre outros, o professor Fabrício Santos e o geneticista peruano Jose Raul Sandoval, ambos do Laboratório de Biodiversidade e Evolução Molecular (LBEM), da UFMG – conta outra história: os quéchua-lamistas não possuem raízes andinas recentes, é muito mais provável que tenham-se originado de agrupamento de etnias amazônicas provocado pelas ações de evangelização das missões jesuítas e franciscanas, nos séculos 16 e 17. Os missionários teriam imposto aos indígenas a língua quéchua, aprendida em Quito, para a catequização.
"Trabalhamos com amostragens de várias populações da Amazônia e dos Andes, incluindo os grupos indígenas andinos que se consideram atualmente chankas. Analisamos a genealogia paterna, por meio de variações do cromossomo Y, e escolhemos famílias diferentes de quéchua-lamistas, maximizando as informações, também por meio de questionários genealógicos", informa o professor Fabrício Santos, que coordena o LBEM e o Projeto Genográfico sul-americano, parte de estudo de alcance global, iniciado em 2005, sobre as origens das populações nativas.
Ainda segundo Santos, os quéchua-lamistas têm relação genética próxima com seus vizinhos da Amazônia: jívaros, arawaks, panos e quíchuas (estes vivem ao norte, na Amazônia e Andes do Equador). Ele acrescenta que o estudo da árvore materna ajuda a confirmar a origem amazônica. "Os quéchua-lamistas nunca acreditaram muito na associação com os chankas e gostaram de saber que a genética mostra uma relação de parentesco próximo com seus vizinhos amazônicos", diz Fabrício Santos.
Perfil amazônico
Jose Raul Sandoval conta que seu grupo de pesquisa, por meio da coleta de saliva, comparou as linhagens uniparentais do DNA de vários grupos étnicos da Amazônia e falantes de idiomas Quéchua e Aimara nos Andes, desde o Equador até a Bolívia. Foram verificadas amostras de 40 quéchua-lamistas e de mais de 200 indivíduos de várias outras etnias da Amazônia e dos Andes.
"Assim que montamos as árvores filogenéticas resultantes das análises, observamos que os clãs familiares quéchua-lamistas compartilham perfis genéticos, especialmente por linha paterna, com diferentes grupos amazônicos, o que indica, naturalmente, antepassados comuns", explica Sandoval, que pertence à etnia Aimara, do lago Titicaca, e atua na Universidade de San Martín de Porres, com o professor Ricardo Fujita.
Depois de estudar e atuar profissionalmente em Moscou e trabalhar com genética na região do lago Titicaca, no Peru, Sandoval chegou à UFMG em 2008 para o doutorado no LBEM, sob orientação de Fabrício Santos. Ele comenta que os estudos do Projeto Genográfico começaram no Peru e seguiram no Equador e na Bolívia, antes de serem empreendidos no Brasil, a partir de 2009. Os procedimentos incluem desde apresentação do projeto a autoridades e populações até a devolução dos resultados às comunidades indígenas. Assim aconteceu com os uros, no Titicaca, e recentemente com os quéchua-lamistas.
O povo
Os quéchua-lamistas, que falam uma língua quéchua, é uma das 55 etnias indígenas identificadas pelo governo peruano, que registra quatro milhões de indígenas em seu território. Os falantes de quéchua na Amazônia estão distribuídos em três estados – Loreto, San Martín e Madre de Diós. Eles combinam os estilos andino e amazônico, ao se vestirem, e hoje se dedicam à comercialização de animais, produtos agrícolas e madeira.
Os quéchua-lamistas habitam a Amazônia do Departamento de San Martín, onde predominam línguas amazônicas como o awajun e o shawi. Cronistas do século 17 e 18 consultados por Jose Sandoval relataram que os missionários – que evangelizaram populações no nordeste do Peru e no sudeste do Equador – adotaram o quéchua de Quito (quíchua) para se comunicar com grupos indígenas de línguas diversas.
Artigo: The genetic history of peruvian quéchua-lamistas e chankas: uniparental DNA patterns among autochthonous Amazonian and Andean populations
Autores: Jose R. Sandoval, Daniela R. Lacerda, Oscar Acosta, Marilza S. Jota, Paulo Robles-Ruiz, Alberto Salazar-Granara, Pedro Paulo R. Vieira, César Paz-y-Miño, Ricardo Fujita, Fabricio R. Santos e The Genographic Project Consortium
Revista: Annals of human genetics (março de 2016)