Professores residentes encerram projetos em Tiradentes
Intervenções foram marcadas por forte interação com os moradores
Nas duas últimas semanas, a cidade de Tiradentes foi palco de intervenções e eventos promovidos por três docentes da UFMG. Eles compartilharam com moradores os resultados dos projetos que desenvolveram na cidade neste segundo semestre, como parte do Programa Professor Residente em Tiradentes, promovido pela Diretoria de Ação Cultural (DAC). Esta foi a segunda edição da iniciativa, que se desenvolve em interação com o Campus Cultural da UFMG na cidade do Campo das Vertentes.
A qualidade das propostas apresentadas à DAC neste ano levou à ampliação do número de projetos apoiados. Enquanto na primeira edição foi desenvolvido apenas um projeto, na segunda foram selecionadas propostas de três professores: Carlos Henrique Falci, do Departamento de Fotografia e Cinema da Escola de Belas Artes, Rogério Lopes, do Teatro Universitário (TU), e Maria das Graças Lins Brandão, da Faculdade de Farmácia.
Uma temática que perpassou as três residências foi a memória de Tiradentes que extrapola o centro histórico, e os pesquisadores interagiram com moradores de diversos bairros da cidade. Carlos Henrique Falci trabalhou precisamente com o resgate das memórias dos habitantes. Ele e duas bolsistas produziram áudios, fotos e vídeos sobre as lembranças dos tiradentinos.
A coleta de memórias resultou em três intervenções: a equipe transmitiu áudios e distribuiu cartões-postais baseados nas histórias em cinco bairros da cidade, montou uma exposição de fotos, vídeos e áudios no Sobrado Quatro Cantos, no centro histórico de Tiradentes, e criou uma página no Facebook, em que esses relatos são compartilhados.
Parte da história
“Os moradores nos falaram da importância de se ouvir as pessoas que vivem em bairros fora do centro, que ainda são invisíveis. O objetivo do trabalho é fazer essas pessoas reconhecerem que suas memórias são importantes e que a cidade continua existindo para além de seu caráter histórico, pois os bairros também têm memórias e fazem parte da história de Tiradentes”, explica Carlos Falci. O trabalho desenvolvido por ele foi ao encontro da abordagem do professor Rogério Lopes, que promoveu intervenções teatrais pela cidade. Suas criações se atravessaram em diversos pontos.
“O diálogo entre as duas residências foi muito intenso. Fomos percebendo que havia uma série de interesses comuns e a possibilidade de juntar os trabalhos para conseguirmos dialogar com a cidade. Assim, enquanto o Rogério fazia intervenções cênicas nos bairros e chamava as pessoas para a rua, eu aproveitava a oportunidade para conversar com os moradores.”
Até o dia 14 de dezembro, os bairros Pacu, Mococa, Alto da Torre, Cascalho e Várzea de Baixo receberam as intervenções sonoras que resultaram do trabalho desenvolvido por Falci durante a residência. A exposição que ocupa o Sobrado Quatro Cantos fica em cartaz até o final de janeiro.
O professor da EBA destaca a importância de se trabalhar os lugares imaginários que sobrevivem na memória dos tiradentinos: “Uma moradora nos falou sobre os esquecidos de Tiradentes: ‘Quem diria que um dia alguém ia querer ouvir a nossa voz!’ Quando ela falou essa frase, entendi que o nosso projeto funcionou e que os habitantes puderam compartilhar as percepções sobre si mesmos.”
Os floristas e Dona Juta
Partindo de três elementos marcantes do artesanato produzido no Campo das Vertentes – a cestaria, a tecelagem manual e a fibra de juta –, o grupo Teatro & Cidade, sob coordenação dos professores Rogério Lopes e Tereza Bruzzi, desenvolveu uma série de experimentações pelas ruas de Tiradentes, que geraram duas intervenções teatrais: Os floristas e Dona Juta.
O grupo percorreu as ruas dos nove bairros da cidade e o centro histórico de São João del-Rey, de 28 de novembro a 9 de dezembro, com intervenções baseadas nas vivências da região, encenadas por estudantes da Universidade Federal de São João del-Rey, que atuaram como bolsistas do projeto e participaram da criação artística.
“O artesanato, como objeto que valoriza a identidade e o fazer local, atua como uma ponte entre o universo dos turistas e o dos moradores da região, por isso optamos por trabalhar com esse tema para criar as intervenções. A tecelagem, por exemplo, é uma atividade econômica que segue muito presente no Campo das Vertentes desde a época do garimpo, e assim como a cestaria e as peças em fibra de juta, perdura na imagem da cidade. A ideia central do trabalho foi dar vida a esses elementos e fazê-los caminhar pela cidade, saindo do centro”, explica Rogério Lopes.
O grupo desenvolveu Os floristas, figuras coloridas com cestos na cabeça que percorrem as ruas tocando instrumentos e trazendo mais cor à cidade. “Os floristas fazem arranjos pela cidade, caminham trazendo um colorido e se relacionando com a paisagem”, ilustra o diretor.
Inspirada nos bonecos de juta que decoram as lojas do centro histórico, a intervenção Dona Juta deu vida a essas figuras, que caminharam pelos bairros dando notícia dos acontecimentos da cidade. O trabalho se relacionou com o projeto desenvolvido por Carlos Falci, apresentando elementos das histórias coletadas no projeto Lugares Imaginários em Tiradentes.
Apesar de não contar com a participação direta de habitantes da cidade, as intervenções se relacionaram constantemente com o universo tiradentino e contaram com a contribuição dos moradores em todo o processo criativo. “Os moradores de Tiradentes acompanharam todo o processo de criação das intervenções, desde a primeira vez em que saímos pelas ruas, nos alimentando com novas ideias, inspirações, comentários e memórias”, conta Rogério.
Plantas de Frei Vellozo
Em continuidade ao trabalho iniciado durante a primeira edição do programa Professor Residente em Tiradentes, Maria das Graças Lins Brandão, da Faculdade de Farmácia, finalizou e publicou, no dia 7 de dezembro, o livro Plantas úteis e medicinais na obra de Frei Vellozo. Na publicação, a professora revisa a obra Flora fluminensis, o primeiro estudo sobre a botânica brasileira, produzido em 1790 pelo tiradentino Frei Vellozo.
Em 2017, Maria das Graças analisou e traduziu a obra de Vellozo, escrita em latim, com a colaboração da botânica Juliana de Paula-Souza, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), e do padre Lauro Palú, do Santuário Caraça. Os livros do frei reúnem informações sobre mais de 1,5 mil espécies de plantas úteis e medicinais. A professora conseguiu recuperar dados sobre 371 espécies, nativas e exóticas, incluindo sempre alguma informação referente a nomes populares (indígenas, portugueses e brasileiros), a usos tradicionais e a cultivo em hortas e quintais, o que sugere alguma utilidade da planta.
Passada a primeira fase do projeto, a professora retornou ao programa de residência para dar continuidade e transformar os achados da obra de Vellozo em um livro. Nos últimos quatro meses, Maria das Graças Lins Brandão fotografou as plantas encontradas na região e selecionou 80 dentre elas para compor o livro Plantas úteis e medicinais na obra de Frei Vellozo. O volume combina dados e imagens antigas e atuais das plantas que ainda existem na região e que foram originalmente catalogadas pelo botânico.
“O livro é um produto de divulgação científica, e queremos que ele atinja os jovens da região. Ele ressalta o valor da biodiversidade, do conhecimento tradicional, como transformar as plantas em produtos, e há um capítulo sobre a vida de Vellozo. O catálogo será distribuído gratuitamente para o público e para as escolas da região, e vamos realizar várias ações em Tiradentes e entorno para divulgar o material”, conta Maria das Graças.
O trabalho desenvolvido pela professora também se combinou bem com os projetos dos professores Rogério Lopes e Carlos Falci. “As entrevistas com os moradores me trouxeram informações preciosas para o meu trabalho. E pude mostrar a elas o valor do conhecimento que elas carregam sobre os saberes tradicionais e as plantas da região”, relembra.
Maria das Graças ressalta que, além de ampliar o conhecimento sobre a riqueza da biodiversidade brasileira, da vegetação local e de suas tradições, o projeto contribui para que a população veja a ciência como o melhor instrumento de valorização e valoração das plantas e perceba a importância de se preservar a biodiversidade da região. A pesquisa realizada pela farmacêutica foi tema de reportagem publicada na edição 2013 do Boletim UFMG.