Pesquisa e Inovação

Quebra de patentes de vacinas é tema de novo episódio do 'Outra estação'

Especialistas avaliam os caminhos legais para o licenciamento compulsório e a efetividade da medida para solucionar os gargalos de imunização em países pobres

Mesmo com quebra de patentes, há dúvidas sobre a capacidade de produção de vacinas em países mais pobres
Mesmo com a quebra de patentes, há dúvidas sobre a capacidade de produção de países pobres Spencer Davis I Unsplash

Em meio à escassez global de vacinas contra a covid-19, uma possível solução vem sendo debatida nos últimos meses: a chamada licença compulsória ou quebra de patentes, isto é, quando o direito de exclusividade de quem detém a propriedade sobre um produto ou processo é suspenso temporariamente. A discussão ganhou fôlego em maio, depois que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez um aceno positivo à medida. Diferentemente de outros países dos Brics, como Índia e África do Sul, o Brasil posicionou-se contra a quebra de patentes. Apenas mais recentemente, aceitou discutir a questão.

Para além do jogo político que essa discussão envolve, outras questões se apresentam: qual o caminho legal para a quebra de patentes? Se as patentes forem, de fato, quebradas, países em desenvolvimento terão condições de produzir as vacinas? A medida pode desestimular investimentos do setor privado, particularmente na área farmacêutica, em inovação? O novo episódio do programa Outra estação, da Rádio UFMG Educativa, discute essas questões. 

Foram entrevistados Fabrício Bertini Pasquot Polido, professor associado de Direito Internacional, Direito Comparado e Tecnologias da Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG, Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela Integração dos Povos, Dirceu Greco, professor emérito da Faculdade de Medicina da UFMG e presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, Cristina Ruas, professora adjunta do Departamento de Farmácia Social da Faculdade de Farmácia, Augusto Guerra, professor associado do Departamento de Farmácia Social da Faculdade de Farmácia da UFMG e coordenador do Centro Colaborador do SUS para Avaliação de Tecnologias e Excelência em Saúde da UFMG, Elizabeth de Carvalhaes, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), e Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma).


Os caminhos legais para a licença compulsória
A patente é um instrumento legal que reconhece o direito de propriedade e o uso exclusivo sobre uma invenção. Assim, ninguém pode utilizá-la sem a autorização daquele que detém a patente. A licença compulsória, mecanismo popularmente conhecido como quebra de patentes, é a suspensão temporária desse direito de exclusividade. 

Na avaliação da Organização Mundial de Saúde (OMS), a licença compulsória pode aumentar a capacidade de produção dos imunizantes e reduzir as desigualdades entre países ricos e pobres. Para se ter uma ideia, até o dia 23 de junho, 22% da população mundial já tinha recebido, pelo menos, uma dose da vacina contra a covid-19. Apenas 0,9% dessas pessoas vivem em países pobres. Os dados são do projeto Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford. 

Mas o caminho para a licença compulsória pode ser longo. Sem consenso entre os países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), a discussão tende a se arrastar. Assim como o Brasil, alguns países da União Europeia também hesitam no apoio à proposta, sob argumento de que a quebra de patentes não resolve os gargalos da produção de vacinas e ainda enfraquece a indústria farmacêutica. 

Diante desse cenário, o primeiro bloco do Outra estação explica por que alguns países como a Índia e a África do Sul querem que a OMC revise o Trips, sigla em inglês para Acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio, e os projetos de lei em tramitação no Congresso brasileiro que tratam da quebra de patentes.

Fabrício Polido: acordo Trips coloca dificuldades para licença compulsória
Fabrício Polido: acordo Trips põe dificuldades para licença compulsória Jan Kopankiewicz


Efeitos práticos dividem especialistas
Se os países membros da Organização Mundial de Comércio chegarem a um entendimento sobre a licença compulsória, essa será uma decisão histórica. Mas nações que enfrentam escassez de vacinas, como o Brasil, vão conseguir de fato produzir o imunizante? 

O segundo bloco do Outra estação mostra que especialistas estão divididos sobre essa questão. Para alguns, a quebra de patentes terá pouco efeito prático; para outros, é uma medida importante para barrar o avanço do coronavírus nos países mais pobres.

Outra questão controversa abordada no segundo bloco do programa é se a licença compulsória pode gerar prejuízos para a indústria farmacêutica e desestimular os investimentos do setor em inovação, já que o aporte em pesquisas como as de produção de novos medicamentos e vacinas costumam ser altos e arriscados. 

Para Cristina Ruas, ainda que processo de quebra de patentes demore, “sempre é tempo de salvar vidas”
Cristina Ruas: “sempre é tempo de salvar vidas” Foto: Acervo Pessoal

Para saber mais

Lei de Propriedade Industrial

Projeto de Lei 1462/2020, que transforma a quebra de patentes em política de estado em casos específicos

Editorial da revista Nature, publicado em maio, sobre a quebra de patentes

Artigos publicados pelo Ipea trazem visões distintas sobre a quebra de patentes: Solução simples para um problema complexo? x Quem tem medo de Licença Compulsória?

Ethical limits to placebo use and access to Covid-19 vaccines as a human right, artigo publicado pelo professor Dirceu Greco, da Faculdade de Medicina da UFMG

Posição da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde e Rede Unida

O episódio 64 do Outra estação discutiu a desigualdade no acesso às vacinas no mundo. O episódio 62 tratou dos gargalos da indústria brasileira para produção de imunizantes.

Produção
O episódio 69 do programa Outra estação é apresentado por Alicianne Gonçalves, com produção de Alicianne Gonçalves, Beatriz Kalil e Paula Alkmim. Os trabalhos técnicos são de Breno Rodrigues. A coordenação de jornalismo da Rádio UFMG Educativa é de Paula Alkmim. 

Na segunda temporada, o Outra estação vai ao ar às quintas, quinzenalmente, às 18h, com reprise às sextas, às 7h, pela frequência 104,5 FM. Em cada episódio, o programa aborda um tema de interesse social. Todos os episódios estão disponíveis nos aplicativos de podcast, como o Spotify.