Ricardo Fonseca, reitor da UFPR, relembra um 'ano de ataques' às universidades brasileiras
Há quase um ano, no dia 9 de dezembro de 2016, a polícia federal irrompeu na UFRGS, em vista de uma suspeita de fraude em um programa de extensão. A polícia federal batizou todo o movimento de “Operação PhD”.
Pouco tempo depois, em 13 de fevereiro de 2017, algo similar aconteceu na nossa universidade: numa operação (batizada de “Research”), foram envolvidos mais de 180 agentes federais, cumprindo vários mandados de prisão e oito conduções coercitivas.
Mas o pior estava por vir: no dia 14 de setembro de 2017, numa operação batizada de “Ouvidos moucos” (em alusão direta à suposta falta de respostas da Universidade aos órgãos de controle), a polícia chega na UFSC para cumprir sete mandados de prisão temporária e cinco de condução coercitiva. Mais de 115 policiais foram envolvidos na operação – que vieram inclusive de outros estados. Nesse caso, porém, houve um fato grave adicional: o próprio Reitor da UFSC – Luiz Cancellier de Olivo – foi preso “por obstruir investigações”. Os supostos desvios (ainda em fase de investigação e apuração) teriam ocorrido na gestão anterior a dele. Levado a um presídio, algemado, submetido à revista íntima e solto logo depois, mas impedido por ordem judicial de colocar os pés na universidade que o elegeu, Cancellier cometeu suicídio no dia 02 de outubro de 2017.
Para quem imaginava que esta tragédia serviria para que a escalada contra as universidades fosse objeto de reflexão e cuidado, hoje, dia 6 de dezembro de 2017, vem outro grande choque: o alvo foi a UFMG. Outra operação policial, com 84 policiais federais, 15 auditores da CGU e dois do TCU cumpriu oito mandados de condução coercitiva e onze de busca e apreensão. A operação – não sem certo mau gosto irônico – foi intitulada “Esperança equilibrista” (numa referência direta a uma canção símbolo da época da redemocratização brasileira, “O bêbado e o equilibrista”). Foram conduzidos coercitivamente os atuais reitor e vice-reitora da UFMG (Jaime Ramirez e Sandra Almeida), além de servidores e dirigentes das gestões anteriores.
Como se viu, em pouco menos de um ano, 4 das maiores universidades federais do Brasil (UFMG, UFRGS, UFSC e UFPR), sofreram impactantes operações policiais, com quantidade de agentes (geralmente também acompanhados de auditores de órgão de controle) suficientes para um conflito armado. Todas com imensa e desmedida repercussão midiática. Em alguns desses casos, com prisão ou condução coercitiva das autoridades máximas – no planos administrativo e simbólico – das instituições universitárias. Nunca se viu um cenário desses antes.
As universidades, seus professores, servidores técnicos e pesquisadores teriam se pervertido tanto assim em um ano? Teriam se transformado de repente em ninhos de bandidos? E se perceba: se está falando de instituições tradicionais – a nossa UFPR é centenária – que durante décadas foram vistas como celeiros do conhecimento brasileiro e da formação de gerações. As universidades não são perfeitas, como nenhuma instituição pública ou privada o é, mas seguramente não são esse antro de corrupção, descontrole e ineficiência que as ações policiais sugerem e que a mídia propaga.
Se é assim, é melhor olhar com certa frieza para o que há de comum nesse triste contexto. Primeiro, operações policiais e órgãos de controle têm elegido as universidades públicas como principais focos de sua atenção. Não são os ministérios, autarquias ou os demais órgãos federais – seguramente nenhum deles berços infalíveis de virtudes infinitas; agora os olhos do controle e da repressão se voltam para as universidades públicas.
Segundo: de repente – mais do que em qualquer outro tempo – a imprensa se concentra no que acontece nas Universidades. Mas não para falar sobre os milagres cotidianos que operamos (na formação das pessoas, na ciência, na tecnologia, na inovação ou na inclusão social), mas naquilo que, aos seus olhos, lhe parece suspeito, mesmo que ainda não haja investigação ou decisão definitiva sobre o que se noticia.
Terceiro: todas essas confusões – todas – são feitas sem que haja um juízo condenatório definitivo: o escarcéu repressivo e midiático acontece antes e a apuração de responsabilidades vem depois.
Quarto: parece que houve uma suspensão de alguns direitos no Brasil, como a presunção de inocência, o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana. O clima policialesco e a mentalidade inquisitória parecem ter definitivamente suplantado uma cultura de direitos que valorizava a liberdade. Em nome de um certo moralismo administrativo e de uma sanha punitivista, garantias e direitos individuais são colocados como detalhes incômodos e inconvenientes.
Quinto: o princípio da autonomia universitária (prevista no art. 207 da Constituição), por todas as razões antes já mencionadas, hoje foi reduzido a pó e a letra morta.
O momento é de fato grave: enquanto deputados ou senadores filmados em flagrante delito por graves desvios são soltos pelos seus pares, reitores têm sua liberdade cassada. A sociedade deve, com muita premência, pensar que tipo de mundo pretende construir quando instituições como as universidades públicas (responsáveis por cerca de 90% da ciência e tecnologia do Brasil) são demonizadas, expostas, desrespeitadas e quando seus dirigentes são imolados publicamente.
O Brasil precisa pensar em que tipo de futuro quer apostar. E para mim a resposta só pode ser essa: é momento de resistir e defender a Universidade Pública.
Viva a UFRGS! Viva a UFSC! Viva a UFMG! Viva a UFPR!
Ricardo Marcelo Fonseca, reitor da UFPR