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Embates políticos prejudicam combate ao coronavírus

Programa 'Outra estação', da Rádio UFMG Educativa, discute as estratégias de controle da Covid-19 em meio às divergências entre o presidente, governadores e prefeitos

Prefeitura de BH distribui máscaras para moradores do Aglomerado da Serra
Máscaras são distribuídas pela Prefeitura de Belo Horizonte a moradores do Aglomerado da Serra Rodrigo Clemente I PBH

Desde a confirmação do primeiro caso de infecção pelo coronavírus no Brasil, anunciado pelo Ministério da Saúde no dia 26 de fevereiro, o país tem-se mobilizado na implementação de medidas de contenção do alastramento do vírus Sars-Cov-2, causador da Covid-19. Mas falta unidade na definição de estratégias. Os governos federal, estaduais e municipais têm divergido em pontos fundamentais, como a necessidade do isolamento social. 

Um dos capítulos mais recentes desse embate foi um decreto do governo federal que classificou academias, barbearias e salões de beleza como serviços essenciais durante o período de pandemia, mas que foi ignorado por gestores locais, que se negaram a reabrir esses estabelecimentos. Mas o que dizem as leis sobre isso? Estados e municípios podem se recusar a seguir um decreto federal? Eles têm autonomia para implementar medidas de restrição de circulação de pessoas? 

Esse é um dos aspectos abordados no novo episódio do programa Outra estação, da Rádio UFMG Educativa. Foram ouvidos especialistas de diferentes estados, que analisam os impactos dos embates políticos no enfrentamento do coronavírus, a condução do governo federal diante da crise sanitária e a atuação dos governos locais, trazendo exemplos de como estados de diferentes regiões do país têm combatido a pandemia.


Falhas na articulação

“As ações de vigilância sanitária e epidemiológica estão na competência comum dos entes federados. A União deve se recolher às normas gerais, os estados devem observar as peculiaridades regionais, e os municípios, as peculiaridades locais.”
(Onofre Alves Batista Júnior, professor da Faculdade de Direito da UFMG)

A lei 13.979, de 20 de fevereiro de 2020, dispõe sobre as medidas de enfrentamento à Covid-19 e estabelece que União, estados e municípios devem seguir critérios técnicos, orientados pela Organização Mundial de Saúde, como adoção de medidas de isolamento e outras restrições de circulação necessárias para conter a crise sanitária. 

No entanto, discordâncias entre os governos federal, estaduais e municipais levaram o presidente da República a editar um decreto alterando essa lei com o objetivo de retirar a autonomia de governadores e prefeitos e centralizar todas as decisões. O dispositivo foi barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que concluiu, por unanimidade, que estados e municípios podem, sim, tomar as medidas que considerarem necessárias ao combate ao coronavírus, decidindo sobre temas como o fechamento do comércio e os serviços considerados essenciais para as cidades, sem depender do aval do presidente. 

O problema, no entanto, vai além da questão jurídica. Ainda que medidas possam ser estabelecidas em âmbito local, especialistas ouvidos pela UFMG Educativa concordam que o governo federal deveria exercer um papel maior de liderança no enfrentamento da crise sanitária, coordenando ações entre União, estados e municípios, o que não tem sido feito até aqui. Entre os erros de gestão mencionados, estão a falta de planejamento, as trocas de comando no Ministério da Saúde e a atitude do presidente Jair Bolsonaro ao minimizar a crise.

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A pesquisadora da UFRJ Juliana Reis Cortines diz que governantes têm mandado recado confuso à populaçãoArquivo pessoal

Foram ouvidos nesta parte do programa o professor da Faculdade de Direito da UFMG Onofre Alves Batista Júnior, o pesquisador da Fiocruz Amazônia Jesem Orellana, o professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Giovani Vasconcelos, o cientista-chefe da saúde do estado do Ceará, José Xavier Neto, e a professora do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Juliana Reis Cortines.

“As pessoas precisam de uma certa guia, e, quando você tem informações muito divergentes, fica difícil estabelecer uma mudança tão drástica numa sociedade inteira. ‘Se o presidente pode ir à padaria, por que eu não posso?’ E aí tem um outro governante que diz: ‘não, não pode sair de casa’”. (Juliana Reis Cortines, UFRJ)


Para o pesquisador da Fiocruz Amazonas Jesem Orellana, desarticulação entre Ministério da Saúde e estados e municípios tem prejudicado combate ao coronavírus
Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia: desarticulação tem prejudicado combate ao coronavírus Arquivo pessoal

As ações locais
Na segunda parte, o programa aborda a situação do coronavírus em alguns estados e capitais brasileiros e as ações que estão sendo adotadas pelos governos locais diante da crise sanitária. Além de Jesem Orellana e José Xavier Neto, já citados, essa parte do programa também contou com a participação do presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estevão Urbano.

No Amazonas, estado que registra proporcionalmente o maior número de casos, cerca de 504 por 100 mil habitantes até esta quarta (20 de maio), o sistema de saúde já está em colapso. A adesão da população às medidas de isolamento social é baixa, e a Covid-19 já começa a migrar da capital, Manaus, para o interior. A gestão da pandemia no Norte do país tem sido marcada também por uma crise política, que inclui um pedido de impeachment do governador do estado, Wilson Lima (PSC), por acusações de má administração de recursos públicos durante a pandemia e demora na tomada de medidas de contenção ao coronavírus. 

“Em Manaus, estamos vivendo uma explosão da mortalidade. A rede pública hospitalar colapsou.” (Jesem Orellana, da Fiocruz Amazonas)

No Ceará, outro estado onde a situação é caótica, o governo e a Prefeitura de Fortaleza têm-se mostrado alinhados na adoção de medidas de isolamento social, mas fatores como o intenso tráfego aéreo na região e a elevada densidade demográfica da capital contribuem para a disseminação do vírus, o que levou à decretação de lockdown, um protocolo rígido de restrição de circulação de pessoas e veículos na cidade.

“O Ceará tem feito um esforço para aumentar sua capacidade de testagem, o que é fundamental para tentar acompanhar a epidemia da melhor forma possível.” (José Xavier Neto, cientista-chefe da saúde do estado do Ceará)

Minas Gerais, por sua vez, parece registrar bons resultados na comparação com o restante do país, mas a pequena quantidade de testes põe os indicadores locais em xeque, uma vez que o número de casos pode estar subnotificado. O governo do estado e a Prefeitura de BH têm recomendado o isolamento social e adotado medidas de restrição, mas o governador Romeu Zema, com postura mais flexível, e o prefeito Alexandre Kalil, a favor de maior rigor, têm atuado de forma desarticulada. 

“Nós estamos politizando uma questão técnica. A população se perde, não sabe quem seguir. Com essa politização, existe uma tendência a negar a ciência, e, com isso, as mortes vão aumentando. Ações que deveriam ser feitas não são feitas por desunião.” (Estevão Urbano, presidente da Sociedade Mineira de Infectologia)

Para saber mais
Ouça a entrevista completa com o professor da UFPR Giovani Vasconcelos:

Ouça a entrevista com Giovani Vasconcelos

Para saber mais sobre o banco de dados da Covid-19 da Universidade Federal de Viçosa (UFV), ouça a entrevista com o doutorando em física Wesley Cota, idealizador do site:

Ouça a entrevista com Wesley Cota

Portal da UFV que monitora os casos de Covid-19 no Brasil
Painel do coronavírus do Ministério da Saúde
Página da Secretaria de Saúde de Manaus sobre a Covid-19
Página da Secretária de Saúde do Amazonas sobre a Covid-19
Página do IntegraSUS do Ceará
Mapa da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, que acompanha os casos de Covid-19 pelo mundo
Página da Secretaria de Saúde de Minas sobre a Covid-19
Página da Prefeitura de Belo Horizonte sobre a Covid-19

Produção
O episódio 42 do programa Outra estação é apresentado por Breno Benevides e foi produzido por Breno Benevides e Camila Meira, com edição e coordenação de jornalismo de Paula Alkmim e trabalhos técnicos de Breno Rodrigues. 

Outra estação aborda, semanalmente, um tema de interesse social. Na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM), vai ao ar às quintas-feiras, às 18h, com reprise às sextas, às 7h30. O conteúdo também está disponível nos aplicativos de podcast, como o Spotify.