Livro da ECI reúne estudos com foco no leitor de gêneros diversos
Pesquisadores de grupo da pós-graduação publicam trabalhos orientados pela professora Lígia Dumont; prefácio é de Roger Chartier
Toda leitura, dos romances populares aos clássicos, é boa, e o contexto e a vivência de quem lê determinam, de forma decisiva, o sentido extraído. Essas são apenas algumas das convicções consolidadas ao longo da trajetória do Grupo de Pesquisa Informação e Leitura, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da UFMG. Formalizado no CNPq em 2007 e dedicado à investigação da introjeção do conhecimento por parte do leitor, o grupo acaba de publicar alguns de seus estudos no livro Leitor e leitura na Ciência da Informação, organizado pela professora Lígia Maria Moreira Dumont e editado pela Escola de Ciência da Informação (ECI) da UFMG.
O volume reúne trabalhos de ex-orientandos de Lígia, hoje pesquisadores, bibliotecários ou professores em instituições pelo Brasil. Segundo a organizadora do livro, que coordena o grupo Informação e Leitura, os oito capítulos da obra refletem a valorização de teorias que substanciam a visão do foco no leitor com base nos preceitos da Ciência da Informação. “Valorizamos também os diálogos com teorias e metodologias diversificadas, o que tem muito a ver com a complexidade do objeto de estudo”, afirma Lígia. Nas pesquisas do grupo, a ciência da informação conversa com teorias da recepção, sociologia das representações, etnometodologias, antropologia simbólica e história cultural, entre outros campos disciplinares.
Os autores tratam da experiência de grupos de leitores diversos, como amantes das histórias em quadrinhos, universitários que buscam conhecimento acadêmico e profissional, adolescentes beneficiados pela mediação da biblioteca da escola, crianças em situação de risco e frequentadores de bibliotecas públicas de Belo Horizonte e do Vale do Jequitinhonha.
Lígia Dumont ressalta que os interesses de seu grupo têm recaído, em boa parte, sobre os estratos sociais que mais precisam de leitura e conhecimento. Ao apresentar o livro, ela diz que as pesquisas têm em comum a certeza de que a leitura deve ser uma forma de garantir a todos o acesso à informação, o que é cidadania. “Os conhecimentos adquiridos, acrescidos de novas leituras, vão se modificando, se complementando e interagindo, a fim de transformar o ato de ler em uma ação verdadeiramente significativa”, escreve a organizadora.
Alicerces
Dois capítulos de Leitor e leitura... tratam sobretudo de teoria. No que abre o volume, Lígia Dumont apresenta alicerces teóricos e empíricos para as pesquisas de seu grupo sobre introjeção e apropriação da informação por meio da leitura, lembrando as interseções com áreas como história da literatura, antropologia, sociologia, linguística e semiótica. No capítulo que encerra o livro, Ismael Lopes Mendonça, doutorando em Ciência da Informação na UFMG, compartilha suas reflexões sobre a leitura como prática cultural e significante que se apoia no pensamento de Edgar Morin acerca da complexidade, na compreensão antropológica de mundo defendida por François Laplantine e Clifford Geertz e na ideia de cotidiano de Michel de Certeau.
Um dos mais importantes historiadores do livro e da leitura no mundo, o francês Roger Chartier é muito próximo do grupo de pesquisa da ECI e assina o prefácio da obra recém-lançada. Segundo ele, o grande mérito do trabalho está no “cuidado de fundamentar, com análises documentadas e rigorosas, os resultados apresentados quanto às modalidades, usos e efeitos da leitura”. Ele ressalta que as linhas de pesquisa lançaram mão de diferentes técnicas – tratamento de dados estatísticos, observação participante, entrevistas com os atores sociais – e exploraram situações diversas, como visitas a bibliotecas, práticas escolares e leitura de impressos de grande circulação. “Foi construído um saber atento à pluralidade dos contextos, à desigualdade das competências, aos papéis atribuídos à leitura na formação e na informação dos cidadãos’, escreve Chartier.
Professor da École des Hautes Études em Sciences Sociales, na França, Chartier destaca ainda que se trata de “compreender como, em lugares diferentes, para gêneros e públicos diversos, se opera o cruzamento entre limitações transgredidas e liberdades reprimidas”. Para ele, os estudos consagrados à leitura não são urgentes somente porque as técnicas de comunicação sofrem mutações técnicas que transformam hábitos e inventam novas possibilidades. “Ela [a urgência dos estudos] está ligada, também, às inquietudes criadas pelos perigos que ameaçam, hoje, as exigências éticas e o estado democrático.”
Roger Chartier conclui dizendo que os tempos atuais são marcados por representações mentirosas do que foi e do que é, são tempos “em que acordaram os piores demônios”. Por isso, compreender as determinações que regem a leitura é essencial. “As leituras aceleradas e crédulas multiplicadas pelas redes sociais, assim como as manipulações das opiniões públicas pelos demagogos, não facilitam a tarefa. Mas, se a ciência da informação merece seu nome, é, certamente, porque ela indica a quais condições o exercício da crítica, possível pelo saber ler, pode separar verdades e falsidades, conhecimento e fabulação, dignidade e barbárie”.
Construção de perguntas e respostas
Lígia Dumont, de novo nas considerações que introduzem o volume, salienta que a leitura é “um dispositivo que suscita possibilidades múltiplas e imprevisíveis de identificação, gera processos na construção de nós mesmos e de oportunidades de sociabilidades inusitadas”. Ela afirma acreditar que o hábito de ler é “oportunidade esplêndida de abertura de possibilidades reais para o sujeito leitor cognoscente construir suas perguntas e respostas”.
O entusiasmo da professora e pesquisadora com o trabalho desenvolvido pelo grupo de pesquisa transparece ainda mais quando afirma que “a leitura ainda tem algo inapreensível, algo que escapa ao controle”, e que aí talvez resida “o fascínio dos estudos sobre o ato de ler e de apropriar-se da informação pelo sujeito leitor”.
Livro: Leitor e leitura na Ciência da Informação – diálogos, fundamentos, perspectivas
Organização: Lígia Maria Moreira Dumont
Edição: ECI-UFMG (a iniciativa integra as celebrações dos 70 anos da Escola)
195 páginas | Acesso gratuito na página da biblioteca da ECI