[Opinião] Em defesa da Pampulha e da UFMG que preserva a sua cidade
Artigo da reitora Sandra Goulart Almeida e do professor Maurício Campomori projeta os impactos e prejuízos da realização da corrida da Stock Car no entorno do Estádio Mineirão
A realização de uma prova automobilística no entorno do estádio Mineirão e do campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em agosto deste ano, tem mobilizado parte da opinião pública de Belo Horizonte nos últimos dias. Na arena do acirrado debate público, a UFMG é um dos atores que tem manifestado grande preocupação com a condução do processo de organização da Stock Car nessa região, principalmente pelo fato de que as primeiras ações concretas relacionadas ao evento – como a derrubada de dezenas de árvores – já começaram a ocorrer, sem que antes se tenha estabelecido um amplo diálogo dos organizadores do evento e do poder público municipal com a Administração da Universidade e a comunidade universitária.
De início, é importante destacar que a Universidade nunca se colocou em posição contrária à realização de corridas da Stock Car em Belo Horizonte nem mesmo questiona sua importância para a cidade ou para o estado. Por outro lado, parece fácil perceber que a área proposta para o evento – as vias que circundam o Mineirão, conformando um circuito incrustado exatamente ao lado da área hospitalar e das áreas de reservas ecológicas do campus Pampulha, do Centro Esportivo Universitário e do Centro de Treinamento Esportivo da UFMG – configura, hoje, um local inadequado para a prova automobilística, considerados os enormes danos ambientais e os constrangimentos ao funcionamento de vastos setores da Universidade nos dias de preparação, treino e realização do evento, ao longo dos próximos cinco anos, conforme o que circula na mídia.
Sabemos que os impactos do evento na UFMG serão enormes, afetando não apenas as unidades mais sensíveis, como a área hospitalar na qual se localiza o Hospital Veterinário, os biotérios de criação de animais, a Estação Ecológica e o Centro Esportivo Universitário, bem como todas as atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade. No caso específico do Hospital da Escola de Veterinária da UFMG, sua presença em área contígua à pista projetada é mencionada com preocupação em relatório ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Belo Horizonte, pois trata-se de uma instalação hospitalar que conta com ambulatórios, salas de cirurgia, setor de diagnóstico, necropsia, canil e estábulo para atendimento e internação de animais silvestres e domésticos de grande e pequeno porte. Nele são realizados cerca de 35 mil atendimentos por ano, e sua única via de entrada terá seu uso inviabilizado em todos os dias de realização de atividades relacionadas aos eventos.
Se quiserem imagem mais dramática, oferecemos a da universidade sitiada, simbólica e materialmente apartada da cidade e de seus cidadãos, a antítese mais escarnada daquilo que é a nossa UFMG para Belo Horizonte.
Em contraposição, argumenta-se de forma simplista que barreiras acústicas poderiam ser instaladas como uma solução definitiva ou até mesmo como um legado para a UFMG, considerando-se os eventos cotidianos que também produzem barulho no estádio Mineirão. Excluído o fato de que não foram apresentados estudos concretos sobre a viabilidade de instalação e a efetividade da implantação de tais barreiras, é espantoso que nada se diga sobre o passivo ambiental dessas “muralhas”. Também não se argumenta que, para serem eficientes, essas barreiras acústicas passarão a constituir a imagem de um tipo de universidade separada da comunidade por altos muros, algo que se coloca na contramão do esforço que as instituições públicas de ensino superior têm feito ao eliminar a maioria dos muros que as separavam da população em seu entorno. Se quiserem imagem mais dramática, oferecemos a da universidade sitiada, simbólica e materialmente apartada da cidade e de seus cidadãos, a antítese mais escarnada daquilo que é a nossa UFMG para Belo Horizonte.
Vale recorrer à história para lembrar que o próprio estádio Mineirão foi erguido, na década de 1960, como ampliação do projeto do antigo Estádio Universitário, em terreno cedido pela UFMG, o que só reforça não ser exagero dizer que a corrida de Stock Car passará no meio da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – uma cidade universitária de 60 mil pessoas firmemente enraizada em Belo Horizonte. Por isso, não parece razoável nem admissível que todo o processo de planejamento e todas as decisões que antecedem a realização de uma atividade que gera tantos e tão grandes impactos exclua a Universidade e sua comunidade, os atores mais diretamente afetados por esses transtornos. Parece mesmo ultrajante que uma das maiores e melhores instituições de ensino superior do país e da América Latina, mundialmente reconhecida pela produção de conhecimento científico e pelo engajamento com a sociedade e a cidade, tenha sido alijada da possibilidade de construção de entendimentos e de alternativas para a realização de evento dessa magnitude e com o qual está tão diretamente envolvida, a despeito de seus próprios interesses.
Assim, a UFMG compartilha das preocupações da sociedade em relação à necessidade de se fazer discussões públicas dos assuntos de interesse comum e sente-se na obrigação de questionar e denunciar atos, formas e modos impositivos e atropelados, como os que vêm marcando todo o processo. Reafirma, também, sua obrigação de manter-se atenta às manifestações tanto da comunidade universitária quanto dos moradores da região, contrárias à realização desse evento na Pampulha, em um modo que, em síntese, só faz ampliar e acelerar o processo de degradação ambiental e urbanística desse espaço afetivo e simbólico, verdadeiro cartão-postal de Belo Horizonte, patrimônio cultural da humanidade e legítimo orgulho dos mineiros.
Mais que isso: a UFMG compreende, respeita e exerce seu papel, como instituição social e educacional, de analisar e propor formas para garantir que a preservação do meio ambiente, o respeito às pessoas e ao seu bem-estar, à segurança e a urbanidade na cidade e na região sejam contemplados, sempre de forma a estimular o diálogo e a participação coletiva para uma ação conjunta, solidária e democrática, na construção de soluções compartilhadas e reconhecidas pelos diversos atores da sociedade.
Sandra Regina Goulart Almeida, reitora da UFMG
Maurício José Laguardia Campomori, diretor da Escola de Arquitetura da UFMG