Pesquisadores identificam quatro drogas com potencial para combater o coronavírus
Professora do ICB participou do trabalho com estudo baseado no uso de ferramentas de biologia de sistemas; vermífugos ivermectina e nitazoxanida não passaram nos testes
Um grupo de dez pesquisadores de diferentes instituições, entre as quais está a UFMG, identificou quatro drogas – brequinar, acetato de abiraterona, extrato de Hedera helix e neomicina – com potencial para inibir a infecção causada pelo novo coronavírus.
No estudo, que pode ser conhecido no preprint Discovery of clinically approved drugs capable of inhibiting Sars-CoV-2 in vitro infection using a phenotypic screening strategy and network-analysis to predict their potential to treat covid-19, os pesquisadores analisaram 65 compostos químicos, por meio de testes in vitro, realizados em culturas de células vivas, e in silico, feitos por meio de simulação computacional.
A participação da UFMG ocorreu justamente nas pesquisas in silico, desenvolvidas com o uso de enormes bancos de dados de informações extraídas da literatura biológica, publicadas ao longo de anos em todo o mundo.
Uma das autoras do estudo, a professora Ludmila Ferreira, do ICB, foi a responsável por essa parte da investigação. Ela coordena o Laboratório de Biologia de Sistemas de RNA. “O mapeamento das intrincadas interações das drogas com os sistemas biológicos do corpo humano e do vírus indica como as substâncias cuja eficácia foi demonstrada nos testes in vitro poderiam atuar no sistema biológico”, explica.
Atividade antiviral potente e seletiva
No preprint, os medicamentos brequinar e acetato de abiraterona demonstraram ter “atividade antiviral potente e seletiva” contra o Sars-CoV-2, projetando-se como uma interessante possibilidade. Já os medicamentos extrato de Hedera helix e neomicina foram avaliados como “com atividade antiviral moderada”, o que também gerou expectativa positiva nos pesquisadores.
Em razão disso, eles sugerem que esses quatro medicamentos sejam “mais explorados como adjuvantes terapêuticos” no tratamento da covid-19 e/ou como ponto de partida para a elaboração de novos medicamentos para a doença. Ou seja: devem motivar, agora, investigações em estudos pré-clínicos e clínicos, para que se avalie se os resultados alcançados in vitro e in silico se repetirão com seres vivos.
Ivermectina e nitazoxanida matam o vírus, mas também a célula
A ivermectina e a nitazoxanida, drogas com ação antiparasitária que chegaram a ser associadas no Brasil ao combate à covid-19, também foram investigadas no estudo. Os pesquisadores confirmaram que elas “não são seletivas” como tratamento para a doença, pois só teriam ação antiviral contra o coronavírus em uma concentração inviável de ser ministrada em humanos.
Nos testes realizados, as duas drogas até chegaram a eliminar o coronavírus das amostras, mas apenas em concentrações que também mataram as células que tentavam salvar. Com isso, o estudo demonstrou que é inviável mobilizá-las para o tratamento da covid-19 em humanos na concentração que seria necessária.
Biologia de sistemas
O trabalho de Ludmila Ferreira na pesquisa foi justamente o de descobrir, com ferramentas computacionais, como as drogas encontradas com atividade boa, seletiva e eficaz in vitro se integrariam em um sistema biológico complexo como o humano – ou seja, identificar quais moléculas do corpo humano essas drogas iriam regular.
“Para buscar essas informações, eu construí redes de interação entre essas drogas e o transcritoma [conjunto completo de RNAs transcritos de um dado organismo em um dado momento] humano e, por meio de um software, fiz a predição de como essas drogas terão efeito no organismo após sua administração”, explica a pesquisadora.
Essa procura, segundo ela, é feita em um banco de dados que reúne milhões de moléculas já descritas na literatura biológica. "Ao fazer esse cruzamento, o programa consegue predizer, por exemplo, se a droga vai inibir a replicação viral, a inflamação, a apoptose (tipo de morte celular) etc.”, exemplifica.
Segundo Ludmila Ferreira, construir uma rede gênica é relativamente fácil para quem sabe trabalhar com bioinformática, mas isso não é o mais importante em uma investigação in silico. “O mais importante é o trabalho do pesquisador, que deve saber como filtrar os dados fornecidos pelo computador para avaliar a sua relevância ou não para a especificidade da doença que se está estudando”, explica. “Para isso, são muitas noites sem dormir”, brinca.
In vitro, in silico, pré-clínico, clínico
Testes e análises in vitro e in silico integram a primeira de três grandes etapas cumpridas pelas pesquisas científicas da área da saúde. Ao apresentarem resultados promissores nessa fase inicial, as drogas passam a ser testadas em animais de laboratório, como camundongos. São os chamados testes pré-clínicos, a segunda etapa das pesquisas.
Quando apresentam resultados promissores nesse segundo estágio, as drogas são liberadas para avaliação em humanos, nos chamados testes clínicos, que constituem a terceira fase da pesquisa. Somente quando apresentam resultados promissores também nessa fase é que as drogas são direcionadas para o tratamento das doenças que são alvo da pesquisa.
Ocorre, no entanto, que, na maioria das vezes, os resultados positivos alcançados nos testes in vitro não se confirmam até as últimas etapas do processo de análise, ficando em algum momento pelo caminho. “Daí a importância de se aliar os testes in silico aos in vitro. Dessa forma, a triagem inicial de drogas com potencial para se tornarem remédios se mostra mais eficiente, e a pesquisa sobre os medicamentos avança já com mais chances de terem resultados positivos também nos testes com seres humanos”, explica Ludmila Ferreira.
Além de coordenadora do Laboratório de Biologia de Sistemas de RNA do ICB, Ludmila Ferreira integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas (INCT Vacinas), do CNPq, e o CT Vacinas, centro de pesquisas em biotecnologia instalado no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC), uma parceria da UFMG com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Minas).